A Educação Medicalizada tem se mostrado um dos grandes desafios para a afirmação do direito a uma educação de qualidade para todas as crianças brasileiras.

 

Falar sobre a Educação Medicalizada implica necessariamente em definir o termo Medicalização, entendido como a atribuição de causas biológicas, individuais a fenômenos sociais, culturais, econômicos. Dito de outro modo, a medicalização caracteriza-se pelo deslocamento para o campo médico de causas e soluções para problemas de natureza socieconômica e política. Um fenômeno que, absolutamente, não é recente, remonta o século XIX e a história da Medicina e da Psicologia cujas concepções organicistas centradas em distúrbios e transtornos eram suficientes como explicativas das causas dos problemas na escolarização.

 

Entretanto, temas que permeavam a literatura dos anos 1950 e 1960, retornam hoje adornados pela autoridade da sofisticação técnico-científica das ressonâncias magnéticas, mapeamentos cerebrais, estudos genéticos, biologia molecular e outras explicações químicas. Recursos, diga-se de passagem, fundamentais no avanço da compreensão e solução de muitos processos humanos para a busca de cura dos que, realmente, são doentes, mas, quando aplicados ao campo da educação retomam a lógica já denunciada pela Psicologia, pela Educação e pela própria Medicina de que os processos educacionais não podem pautar-se na fundamentação da biologia e ser avaliados a partir de justificativas individuais, pertencentes ao aprendiz, desconsiderando as relações constituídas nos processos de aprendizagem. Relações de aprendizagem que pressupõem dimensões mais amplas, que ultrapassam as análises biológicas ou neurológicas de um sujeito cerebral.

 

A doença, como elemento explicativo das dificuldades escolares, aparece repetidamente nos discursos tanto internos como externos à escola. Suspeitas e diagnósticos de doenças são elementos comuns nas histórias escolares de alunos com dificuldades nos processos de escolarização. O questionamento a essa maneira de compreensão da educação tem alcançado amplo espaço de debate entre profissionais das áreas de saúde e educação.

 

Não se trata de negar as questões, mas sim de buscar resolver as questões educacionais por meio de soluções pedagógicas, no lócus educacional.

 

Considerando que qualquer tipo de reducionismo é perigoso, com tendência a nos induzir a erros de compreensão, é extremamente perniciosa a associação direta do que não está adequado às normas sociais a uma suposta causalidade orgânica, expressa no adoecimento do indivíduo.

 

Merecem questionamentos e críticas os absurdos índices de diagnósticos de distúrbios, transtornos, desajustes, o ritmo espantoso do crescimento de alunos tido como portadores de Dislexia, TDAH, TOD (Transtorno Opositivo Dasfiador), entre outras doenças ou transtornos; a elevação desmedida de distribuição de medicamentos às crianças em idade escolar. Prevalece a lógica da proliferação dos transtornos atrelados, evidentemente, aos benefícios farmacológicos.

 

O avanço destas explicações biologizantes a respeito do não aprender na escola pode ser comprovado por diversos fatores, dentre os quais destacamos dois:

 

a) O crescimento exponencial da utilização de metilfenidato no Brasil, droga que pretensamente transforma crianças irrequietas em estudantes serenos, com a atenção focada, pacatos e silenciosos. Segundo o Instituto de usuários de Medicamentos, o uso de metilfenidato aumentou de 71.000 caixas em 2000 para 2.000.000 de caixas em 2010, dando ao Brasil o 2º lugar no consumo da droga, superado apenas pelos EUA.

 

A lógica da doença como explicativo adquire respaldo oficial quando uma Portaria da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo autoriza a distribuição pelas Unidades Básicas de Saúde de Metilfenidato às crianças diagnosticadas como portadoras de TDAH. Um levantamento feito em 2012 em 154 municípios paulistas indicou que a dispensação de metilfenidato em serviços públicos de saúde elevou-se de 43.000 comprimidos em 2005 para 1.150.000 em 2011. Este fenômeno tem trazido intensa preocupação em âmbito nacional e internacional de entidades de classe, associações e órgãos públicos de saúde e educação, provocando muitos questionamentos, debates, ações frente ao poder público e articulação com os conhecimentos acadêmicos.

 

Nos EUA crianças com 2 anos têm sido diagnosticas e medicadas com Ritalina. Temos tido conhecimento de que muitos estudantes tem feito uso de Ritalina para melhorar a performance.

 

b) Outro fenômeno que tem sido falsamente propagado como afirmação de direito é o surgimento de Projetos de Lei em todo o país propondo a implantação de serviços de diagnóstico e tratamento dos chamados problemas de aprendizagem nas redes públicas de educação, oficializando a entrada de medicalização no ensino público. A escola vai, pouco a pouco confundindo-se com a saúde, concepção que impede a busca multifatorial de causalidades e o olhar para a rede de elementos envolvidos no processo de escolarização de uma criança. Quando é preciso normatizar os problemas de aprendizagem por lei, a educação deixa de ser espaço de ensino e aprendizagem.

 

Medicalização passa a ser uma nova forma de controle social, produzindo silenciamento, ocultamento de conflitos, ou mesmo um álibi diante das dificuldades escolares.

 

Roseli Caldas é Graduada em Psicologia, especialista em Psicologia Escolar, Mestre em Educação, Arte e História da Cultura, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Doutora em Psicologia Escolar pelo Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano da Universidade de São Paulo. Atuou como Psicóloga Escolar por 9 anos. Atua na Universidade Presbiteriana Mackenzie como docente no curso de Psicologia e como coordenadora de Programa vinculado à Pró-reitoria de Extensão.

 

Mais informações, consulte o site do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade: www.medicalizacao.org.br.

Secom/CPP