A família cumpre papel vital na educação de uma criança, para o bem ou para o mal. Apesar do consenso sobre essa verdade elementar, o debate (moral, político, jurídico e pedagógico) sobre como tal papel deve ser exercido é historicamente inflamado e sempre reaberto. Aquele lugar comum, se correto na sua generalidade, é cheio de nuances na prática.
Pai e mãe, em primeiro lugar, mais do que o direito de exercer o poder familiar na escolha das opções educacionais dos filhos, têm o dever legal e a responsabilidade por decisões que atendam aos interesses da criança. A liberdade dos pais, por isso mesmo, não é absoluta. Estão em jogo não só os direitos da criança, mas o interesse público.
Educar uma criança, nesse sentido, tem a ver tanto com a formação de um indivíduo, inevitavelmente sujeita às escolhas que pais fazem em seu nome, quanto com um projeto de sociedade, consagrados numa política educacional. Numa democracia constitucional, que promete proteger direitos individuais, há espaços para decisões autônomas da família, mas há valores que a comunidade política não negocia, nem mesmo com a própria família.
Longe de serem apenas dilemas teóricos, essas questões têm implicações práticas difíceis de se resolver numa fórmula geral. Saber qual a divisão de trabalho mais desejável entre família e escola, e como ambas podem ajudar-se mutuamente num processo em que nenhuma é autossuficiente, são perguntas em voga desde a criação do ensino universal em qualquer país. As respostas variam segundo as políticas educacionais, o contexto cultural, a posição econômica de cada família, e assim por diante.
Uma política educacional que adota tal filosofia, como a brasileira, tem um longo percurso de experimentação e de convencimento a seguir. Casos de inclusão atentam-se a diferenças e peculiaridades dos estudantes, com deficiência ou não. Cada caso traz especificidades a serem percebidas, inspira novas práticas a serem testadas e replicadas, desperta resistências a serem diluídas construtivamente. Tendo os pais e a família como parceiros, a instituição escolar realiza melhor aquelas especificidades e a inclusão pode funcionar de maneira mais efetiva. Os pais, por todas essas razões, são copartícipes na implementação e no eventual sucesso dessa política.
No Brasil, a Constituição de 1988, em seu art. 205, evoca orientação similar: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” Entre as metas e estratégias do Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014), por fim, encontra-se a referência explícita à colaboração das famílias em variados papéis educacionais, entre eles o do acesso à escola e ao atendimento educacional especializado.
A educação inclusiva ainda não foi naturalizada na prática, muito menos no discurso. Há enormes desafios sobre como fazer, e há o desafio ainda maior de formular uma resposta robusta sobre o porquê da sua adoção. Os acertos dos casos de inclusão tornam o apoio a essa política mais provável, e vice-versa. A própria ideia de “acerto” ou de “sucesso”, claro, precisa adotar uma métrica coerente com esta filosofia educacional radicalmente igualitária. O caso de Renata é evidência disso: oferece um poderoso argumento em defesa da inclusão, mas não esconde as dificuldades de sua implementação nem deixa de reconhecer o mérito de cada um dos indivíduos que contribuíram para esse desfecho. Entre esses indivíduos, foram os membros de sua família que deram a mensagem mais eloquente.
Conrado Hübner Mendes é Professor-Doutor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Secom/CPP