Ler é muito mais do que conhecer as letras e os sons que elas produzem ao serem agrupadas. Saber ler pressupõe extrapolar esta ação mecânica e transformar tais ações em prática social, compreendendo o sentido das mensagens. Essa é a grande diferença entre alfabetização e letramento. Na semana em que comemoramos o Dia Mundial da Alfabetização (8 de setembro) cabe uma reflexão sobre como estamos inserindo as nossas crianças nesse mundo de símbolos e sentidos, capazes de inseri-los de forma consistente e produtiva nos diferentes contextos sociais como a família, a escola e o trabalho.

Dominar os símbolos de forma mecânica significa estar alfabetizado, mas só compreende o significado dessas mensagens quem passa pelo processo de letramento. Esses dois processos precisam acontecer de forma simultânea. Não cabe mais à escola o papel de apenas apresentar às crianças o alfabeto e o encadeamento sonoro que resulta da junção das letras. A prática de ensinar por cartilhas que levavam as crianças a reproduzir frases como “o bebê baba” não tem mais nenhum sentido na sociedade atual. Hoje é preciso ensinar a ler e pensar sobre o que se lê, interpretar, compreender.

 Desde os primeiros anos de vida a criança tem contato com o mundo letrado. A intensidade e a qualidade deste contato estão na interação com os adultos que a cercam. Mesmo antes do processo de alfabetização as crianças identificam códigos, relacionam objetos a situações, distinguem diferentes contextos. Na medida em que a criança apropria-se e domina o sistema de códigos ela adquire autonomia social. O processo de letramento será permanentemente qualificado diante das relações e interações sociais dos indivíduos.

Mesmo antes de ingressar na escola, os pais podem propiciar um ambiente educativo para seus filhos: ler para e com os filhos, conversar, discutir, argumentar, exemplificar… a criança não é um papel em branco, ela é reflexo das interações vivenciadas em família.

 Uma criança desenvolve-se através dos exemplos: se convive com pais ou professores que leem constantemente, ela possivelmente assumirá o hábito de leitura, mesmo que inicialmente a pseudo-leitura, processo no qual ela não se apropriou ainda dos códigos, mas lê com entonação e interpreta as histórias que mais a atraem.

 Nos tempos atuais, cabe à escola alfabetizar letrando e letrar alfabetizando, ou seja, promover os dois processos simultaneamente. Estimular a criança a se expressar oralmente, através de desenhos, do faz de conta, da linguagem corporal e cênica são ações que propiciam o desenvolvimento da linguagem verbal e não-verbal, a construção e representação de mundo, respeitando as diferentes faixas etárias e o tempo de desenvolvimento de cada criança, tornando-as protagonistas do processo de aprendizagem. Nesta perspectiva, o desejo, o interesse e as hipóteses de escrita criadas pelas próprias crianças proporcionam a sistematização alfabética, codificação e decodificação de códigos. E assim conseguimos formar mais do que reprodutores de sons: formamos cidadãos capazes de ler o mundo.

Elisângela de Fátima Iansen Martins é Diretora Educacional do Colégio Marista de Maringá, da Rede de Colégios do Grupo Marist