Foto: divulgação/arquivo pessoal

O hábito de ler é essencial para a formação intelectual do ser humano. Leitura favorece aprendizado de conteúdos, melhora o raciocínio e a capacidade de interpretação, além de aprimorar fala e escrita. Esses benefícios, no entanto, ainda não são priorizados no Brasil.

No ranking mundial de educação em leitura de 2015, o País ficou na 59ª posição entre 70 países, segundo dados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). Também naquele ano, a 4ª e mais recente edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, mostrou que 44% da população brasileira era de não leitores; 30% nunca comprou um livro.
 

Para Dad Squarisi, professora de português e editora de opinião do jornal Correio Braziliense, é preciso despertar o prazer da leitura. “Pode ser tão bom quanto jogar videogame ou ver televisão”, afirma, pontuando que incentivar jovens a gostar de livros é tarefa de pais e educadores.
 

Por telefone, Dad, libanesa, falou ainda do interesse pela língua portuguesa, de valorização do professor e de dicas para se sair bem falando e escrevendo português. Autora de livros didáticos, lançou recentemente ‘Sete pecados da língua’, em que trata de deslizes cometidos no dia-a-dia. Ops! dia a dia. O acordo ortográfico simplificou o uso do hífen – embora pudesse ter simplificado mais.

Confira os principais trechos da entrevista:

Portal CPP: A língua portuguesa é considerada difícil, sobretudo quando se trata de escrever. Hoje, temos a escrita mais exposta, nas redes sociais, por exemplo. Que cuidado devemos ter para escrever bem?

Dad Squarisi: Primeiro, tem que saber que texto não é obra que cai do céu ou salta do inferno. Texto é produção. Requer planejamento, redação e revisão. Temos três etapas para fazer bom texto.
No planejamento tenho que saber o que falar, para que público, taxar um objetivo e buscar argumentos que sustentem minha tese. Depois, escrevo e reviso. E não é uma só revisão. São várias. Hemingway [Ernest Hemingway, escritor norte-americano] disse que reescreveu 30 vezes Adeus às Armas [1929] até se sentir satisfeito. Marguerite Yourcenar [escritora europeia] levou 28 anos escrevendo Memórias de Adriano [1951], escrevendo e reescrevendo, até nos brindar com a obra-prima. Revisar é corrigir erros gramaticais, estruturais e aplicar três regras de ouro do estilo. Primeira: menor é melhor. Buscar palavras curtas, estruturas curtas, que são mais contemporâneas. Textos muito longos as pessoas não captam, não conseguem entender. Segunda: menos é mais. Buscar concisão, o que não significa privar o leitor de informações. É dizer com menos palavras o que deve ser dito. Digo assim: o homem que planta café. Tenho cinco palavras. Se souber, digo cafeicultor. A palavra diz exatamente o que as cinco diziam. Terceira: variar para agradar. Usar vocabulário variado, isto é, não repetir palavras desnecessariamente. Buscamos sinônimos, outras estruturas, jeitos diferentes de dizer. As três regras de ouro: menor é melhor, menos é mais, variar para agradar. 


Como priorizar revisões em tempos acelerados?
Quanto mais treino, melhor. Sou editorialista do Correio Braziliense, tenho muito treino na escrita. Escrevo muito e sempre. Então, meu texto sai quase perfeito. Quando bato o ponto final tenho pouca coisa para alterar.
É treinar, treinar e treinar. Escrever muito e sempre. Pelo menos um texto todos os dias. Vale qualquer assunto. O capítulo da novela, uma notícia, um encontro. O importante é desinibir a mão e a mente. Praticar. Escrever é habilidade. E como toda habilidade, nadar, digitar, jogar bola, exige treino. Quanto mais treinar, melhor e mais rápido se escreve. Não precisa nem de revisor. A prática desperta palavras adormecidas, histórias, estruturas. No momento que vou escrever tudo isso está vivo. E posso escolher. Porque só somos livres quando podemos escolher. Se só conheço a palavra casa, por exemplo, sou escrava. Posso me comunicar direitinho, falar casa em qualquer circunstância e ser entendida. Mas não terei a precisão que teria se conhecesse as palavras lar, residência, domicílio, habitação, pouso, pousada, apartamento, mansão. Todas têm o significado de abrigo que a casa oferece, mas com acepções diferentes. Quanto mais vocabulário eu tiver, melhor a minha escolha. E quanto mais posso escolher, mais livre sou. Isso é liberdade. 


Esse conhecimento aponta para formação intelectual, que evidentemente vem de leitura. Dados do
Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) 2015 mostram que 60% dos estudantes brasileiros ficaram abaixo do nível 2 em proficiência em leitura. De 70 países, ficamos na 59ª posição na área. Como melhorar esse cenário?

Temos que estimular a leitura. E ela precisa ser prazerosa. Não é para cobrar estudo de personagem, de tempo. Não é para cobrar. O desafio de pais e de professores é tornar a leitura prazerosa. Pode ser tão bom quanto jogar videogame ou ver televisão.
Se conseguirmos despertar o prazer da leitura, o aluno vai sozinho, ele mesmo busca livros. Alunos precisam ler determinadas obras, sim, mas é importante motivá-los a ler pelo prazer que o livro pode dar. Se conseguirmos isso será um grande passo. Até ler jornal. Podemos ler notícias prazerosamente. Então, é despertar o aspecto lúdico da leitura. O prazer.


Existem técnicas pra despertar esse lado lúdico da leitura?

A primeira coisa é deixar a criança escolher. O que ela quer ler? É ofertar vários livros. Há quem goste de esportes, de princesas, de aventura. Obrigar todos os alunos de uma turma a ler um livro só às vezes é necessário, mas nem sempre agrada. Se eles puderem escolher na biblioteca ou num baú de livros deixado ao alcance é melhor. Eles escolhem. Podem manusear o livro. Apenas olhar a capa. Só folhear. Olhar as imagens. Ler uma página e não ler a outra. Ler todo o livro. É preciso dar liberdade de escolha. No começo da vida escolar isso é extremamente importante. Tem que ter livros interessantes à disposição das crianças, para que ganhem intimidade com o livro. É fundamental. Depois da intimidade, quando passam a gostar, até um livro obrigatório é lido com prazer. 

O papel do professor é determinante, não? Descreva um bom professor de língua portuguesa.  Que características ele deve ter?

Primeiro, ele precisa conhecer a matéria. Há professor que não conhece. Vai dar aula de análise sintática, mas não sabe análise sintática. Faz uma confusão danada na cabeça do estudante. Segundo, é motivar o aluno, tornar as aulas divertidas e instigantes. Terceiro é cobrar, não ter medo de corrigir. E correção não significa desqualificar o aluno. Significa simplesmente dizer que o jovem pode fazer melhor. Sempre motivar a andar para frente. Estimular a aprender mais, a escrever, a escrever melhor. Os alunos são muito curiosos. Crianças e adolescentes são extremamente ávidos de conhecimento. São esponjinhas que podemos molhar com ensinamentos úteis. Agora, só faz isso o professor que conhece a disciplina. Professores com deficiências precisam estudar. O aluno só avança no conteúdo quando o professor domina esse conteúdo.


Como você avalia a formação do professor no Brasil, especialmente de língua portuguesa?

Os cursos de pedagogia, de letras, de história, cursos destinados à sala de aula, ultimamente têm tido menores notas no vestibular. São estudantes que não conseguem passar – a maioria, não todos – em medicina, direito, informática, e escolhem cursos pedagógicos, que são os que exigem média mais baixa.
Hoje, nosso professor é malformado porque a base dele não é a melhor. Ele, em geral, fez um ensino fundamental malfeito, um ensino médio malfeito, e aí tende a cursar uma faculdade que exija menos dele. Pode terminar o curso sem a habilidade de escrever bom texto, de fazer boa dissertação, bom trabalho de fim de curso.
O Brasil precisa pegar os excelentes, aqueles alunos muito bons para professores. A excelência do professor vai determinar a excelência do ensino.


Podemos falar de professor de excelência sem carreira valorizada?

Defendo professor como carreira de Estado, tal qual a Receita, a Diplomacia, o Tesouro. O Estado tem de investir nisso. Professor precisa ser muito bem pago, ter promoção. Até para que as pessoas se interessem pela atividade.
Na Finlândia, por exemplo, que tem o melhor ensino do mundo ocidental, a carreira mais disputada é a de professor. Porque paga o melhor salário. O profissional é selecionado entre os melhores, faz dois anos de treinamento antes de entrar na sala de aula e é acompanhado na carreira. O centro da qualidade é o professor.
No Brasil, praticamente inexiste carreira. A educação permanente é fraca. Não há avaliação. Avaliamos o aluno, mas não avaliamos o professor. Precisamos de avaliação de desempenho. Parece utópico, mas é o que precisamos para tornar nossa educação excelente. Não podemos nem aceitar o bom, pois o mundo é muito competitivo. Temos que querer excelência. Na seleção. Na carreira. No acompanhamento.
Aqui, joga-se o professor na sala e ele se vira. Quem paga o preço em primeiro lugar é o aluno, em segundo, a sociedade.


Que balanço faz da experiência em sala de aula?

Fui professora em todos os níveis de ensino. Do ensino fundamental à pós-graduação. Lecionei no Instituto Rio Branco (MRE) durante 12 anos. Tenho vocação para o magistério. Gosto muito de ensinar e também aprendo muito com os alunos.
Minha avaliação como professora é de uma curiosa que se interessa por dividir conhecimento. Até hoje frequento salas de aula. Visito escolas, levo livros, porque sou autora de obras infantis, e consigo fazer com que pessoas se interessem pela leitura.
No fim, os jovens andam sozinhos e sabem mais do que nós. Hoje as crianças são tão informadas, os adolescentes têm tanta informação. É troca. Enriquecimento de ambos. 


Como surgiu o interesse pela língua portuguesa, pela docência?

Sou libanesa. Quando saí do Líbano falava árabe e francês. Minha alfabetização foi em francês. Morei na França, na Argentina, na Espanha, até chegar ao Brasil, com sete anos. Sempre tive facilidade com línguas. Não me lembro de ter tido dificuldade de aprender o português.
Entrei na escola já alfabetizada, em francês, aos oito anos. Era maior que meus colegas. Eles tinham sete ou menos. E não sofri bullying [risos]. Era grandona, tinha pés grandes, cabelo enorme, mas não me lembro de dificuldade de adaptação. Ser alfabetizada em francês ou português para mim não fez muita diferença. Foi natural.
Quando Brizola [Leonel Brizola] foi governador do Rio Grande do Sul ele quis alfabetizar o estado inteiro, e abriu concurso para professor. Aos 14 anos, fiz, passei e comecei a dar aula. Foi numa escola rural, tinha que pegar dois ônibus, eram outros tempos. Mas me deu muita experiência. Depois, terminei a carreira no Instituto Rio Branco, voltada para redação profissional, língua e literatura. Tinha estudantes estrangeiros de diferentes partes do mundo, o que me enriqueceu cultural e intelectualmente. Foi uma carreira exitosa.
Até que fui para o jornalismo, embora nunca tenha abandonado a carreira. No jornal faço comentários linguísticos, dou dicas de português, isto é, continuo professora. Só que um tipo de professor diferente. Não estou na sala de aula, mas a vocação se mantém.


O português é meio deixado de lado? Falta valorizá-lo mais?

Já foi pior. Hoje já se tem a certeza de que muitos alunos fracassam em outras disciplinas – matemática, geografia, história – não por desconhecê-las, mas por falta de domínio da língua portuguesa. Eles não entendem enunciados, ou seja, não conseguem responder. Todas as aulas exigem compreensão do português. É como substrato. A língua, não por ser a minha área, é a disciplina mais importante. Ela é base para todas as outras.


Você usa bom humor nos trabalhos. Tratar da língua com leveza é estratégia para que o público a compreenda melhor?

É. Professor de português sempre foi carrancudo. As pessoas têm medo. Quando digo que sou professora de português, e raramente digo, sempre ouço pedidos de desculpa: “eu não falo direito”. Mas fala, sim. Consegue transmitir as ideias e tudo mais. Então, é aquele medo que professor de português criou, talvez até um mito, não é?
Quando fui convidada para fazer a coluna, e lá se vão mais de 20 anos, busquei saber o que seria interessante para um jornal. Tinha que estar ligada à atualidade, obviamente, e bom humor faria diferença.
Texto agradável faz com que pessoas não se sintam incompetentes. Em geral, quando há incompreensão, o leitor acha que a culpa é dele. Mas muitas vezes a culpa é do texto, que está mal escrito. Pessoas entendem texto fácil, divertem-se. Tudo que é humorado é leve. Rimos e acabamos assimilando melhor.

Você diz que hífen é castigo de Deus. É o que temos de mais difícil na língua portuguesa?

Sabe por quê? São tantas exceções, tantas regras. Vejo que o inglês não está nem aí para hífen. Pode usar com, sem, tanto faz. Mas nós valorizamos. Critico a reforma ortográfica porque se perdeu uma bela oportunidade de simplificar o uso do hífen. Ela simplificou, mas dava para ir além. Tínhamos mais de 90 regras; hoje, cerca de 20. Poderíamos reduzir a uma regra, duas, no máximo.


Como?

Compostos de três palavras ou mais, que tenham elo, sofreram alteração. Pé de moleque se escrevia com hífen. Mudou porque é composto de três palavras e tem elo, a preposição de. Mão de obra a mesma coisa. Agora, se o grupo de palavras indicar nome de animais ou plantas, mantém-se o hífen. Caso de castanha-do-pará, joão-de-barro etc. Poderia tirar o hífen de tudo ou mantê-lo em todas as palavras. Simplificar mais. 


Dizem por aí que o dicionário é o pai dos burros. Não é absurdo?

É uma brincadeira. É pai dos inteligentes. Na dúvida se joão-de-barro tem ou não hífen, procure o dicionário que ele responde. Está sempre à mão, hoje fácil, fácil na internet. É nosso amigo, amigo dos inteligentes e prudentes. Melhor evitar chute e acertar sempre. Não precisamos errar grafia de palavras.

 
DICAS

Abandone pleonasmos: filme baseado em fatos é melhor que filme baseado em fatos reais; Maria continua doente em vez de Maria ainda continua doente etc.;
Cuidado com sobras: seu, sua, um, uma, em nível de, alguns etc. Exemplo: no discurso, o presidente… em vez de no seu discurso, o presidente…;
Não use chavões: pontapé inicial, abrir com chave de ouro, cair como uma bomba etc.
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