Apesar de, publicamente, estar em “campanha” pela aprovação da reforma administrativa, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que o presidente Jair Bolsonaro não quer a aprovação da proposta que muda as regras para o funcionalismo público brasileiro e que não vai trabalhar por ela.
Segundo apurou o jornal O Estado de São Paulo – Broadcast, Guedes confidenciou a contrariedade de Bolsonaro a Pacheco em encontro na semana passada, o que levou o presidente do Senado a questionar nesta segunda-feira (31), durante evento organizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o real comprometimento do governo com a reforma.
A avaliação entre lideranças políticas é de que, faltando um ano para a próxima eleição presidencial, a defesa da reforma administrativa por Bolsonaro ficará “só no discurso” e que, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva crescendo nas pesquisas eleitorais, “já estamos no segundo turno” do pleito de 2022.
O texto é uma das principais “reformas estruturantes” defendidas por Guedes e sua equipe – que criou polêmica no início do ano passado ao comparar servidores públicos a “parasitas”. Também é acompanhada com lupa pelo mercado, que vê nas mudanças uma importante forma de reduzir o tamanho do Estado e o impacto do funcionalismo nas contas públicas.
Nesta segunda-feira (31), após o Estadão divulgar a conversa reservada entre Guedes e Pacheco, os contratos baseados em juros futuros subiram, o que mostra a expectativa de piora no cenário geral pelo mercado. Durante o evento de ontem da CNI, Pacheco disse que “há compromisso absoluto” do Legislativo com o andamento da proposta, porém demonstrou preocupação com a possibilidade de esvaziamento do texto.
Pacheco reclamou, especificamente, do Palácio do Planalto, deixando a Economia de fora. “Há compromisso do Poder Executivo com a reforma administrativa? Esse é um questionamento que precisamos fazer e ter clareza nessa discussão com a Casa Civil, a Secretaria de Governo e a própria Presidência da República. Se há vontade de fazer uma reforma administrativa em um ano pré-eleitoral ou não”, afirmou o presidente do Senado.
“Para que não tenhamos uma concentração de energia que será esvaziada em razão de uma iniciativa do governo para não votar. Quero crer que isso não acontecerá, mas é um diálogo que precisamos ter com o governo federal”, acrescentou.
RESISTÊNCIA
A reforma administrativa enviada pelo governo ao Congresso traz mudanças importantes para novos servidores públicos, como o fim da estabilidade para a maioria das carreiras e a criação de diferentes tipos de contrato de trabalho. O texto enfrenta grande resistência entre o funcionalismo, que tem se organizado e atuado no Legislativo contra a proposta.
O projeto já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados na semana passada e, agora, aguarda a criação de uma comissão especial na Casa para continuar na tramitação. Entre parlamentares, porém, a visão é de que se trata de mais uma situação em que o presidente Bolsonaro faz Guedes acreditar que tem seu apoio, mas trabalha nos bastidores contra o que o ministro defende.
Segundo os parlamentares, foi o que ocorreu durante a tramitação da reforma da Previdência, quando Bolsonaro autorizou aliados a votar contra pontos da proposta. Mais recentemente, o presidente também liderou um movimento para desidratar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do auxílio emergencial e retirar policias do congelamento previsto de salários. Contra a equipe econômica, Bolsonaro também patrocinou a tentativa de retirada do Bolsa Família do teto de gastos, mas recuou diante da reação negativa do mercado.
A senadora Kátia Abreu (PP-TO), vice-presidente da Frente Parlamentar pela Reforma Administrativa, também disse que “alguns setores do governo estão contra a reforma administrativa” e, diferentemente de Pacheco, reclamou de Guedes. “Vejo Paulo Guedes, que deveria ser o maior interessado, lutando muito pouco por essa reforma. Talvez o presidente (Jair Bolsonaro) esteja preocupado em desagradar esse setor”, afirmou, durante audiência pública da comissão da Covid-19 no Senado.
Em público, Guedes continua em defesa das mudanças. Ainda ontem, em evento com investidores internacionais, o ministro disse que a reforma administrativa, assim como a tributária, deve avançar neste ano. “Vamos surpreender o mundo mais uma vez, pois o Congresso brasileiro é reformista”, disse.
Coube ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), colocar panos quentes na situação. “Acredito na reforma administrativa e acredito no apoio do governo à reforma administrativa. Foi oriunda dele. Essa versão, veiculada por alguns meios, de que o governo federal e o Poder Executivo não apoiarão a reforma administrativa é um contrassenso”, afirmou, no evento da CNI.
Procurado, Pacheco não comentou a conversa reservada com Guedes. O Ministério da Economia não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre o assunto.
O QUE ESTÁ EM DEBATE
. Servidores das carreira típicas de Estado: Terão regras parecidas com as atuais com estabilidade após 3 anos de serviço; o ingresso se dará por concurso público.
. Servidores com contratos de duração indeterminada: Não terão a estabilidade de hoje; poderão ser demitidos se forem necessários cortes de gastos, por exemplo; o ingresso desses servidores se dará por concurso público.
. Funcionários com contrato temporário: Não terão estabilidade no cargo; ingresso por meio de seleção simplificada. Pela Lei 8.745, de 1993, esse tipo de contratação pode ser feita apenas para “necessidade temporária de excepcional interesse público”.
. Cargos de liderança e assessoramento, com vínculos temporários: Ingresso por meio de seleção simplificada; sem estabilidade.
. Servidores com vínculo de experiência: Antes que os candidatos ingressem ou no cargo típico de Estado, ou no de prazo indeterminado, têm de passar por período de, no mínimo, 2 anos para cargos típicos de Estado e 1 ano para cargos por prazo indeterminado.
Fonte: O Estado de São Paulo