Estudo busca identificar o conflito ‘que ninguém vê’
Ameaças e atos de violência entre alunos e professores dentro das escolas brasileiras, além das agressões verbais e psicológicas, mostram que a escola que deveria ser um lugar seguro, tanto para o aluno como para o professor, virou algo parecido com um “campo de batalha”.
Com a proposta de entender um pouco mais sobre a violência e a educação, Rachel Fernanda Matos dos Santos defendeu, pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Unesp de Franca, a dissertação intitulada Violência escolar e as relações de poder entre professores e estudantes: uma análise em escolas estaduais de ensino médio em Ribeirão Preto/SP.
A pesquisa analisa a violência no cotidiano escolar, a partir das relações estabelecidas entre estudantes e professores do ensino médio de duas escolas localizadas na cidade de Ribeirão Preto, que trazem diferentes índices de vulnerabilidade social. “Considerei ainda a percepção que eles têm com relação a estas práticas”, diz a pesquisadora que trabalha como assistente social no Ministério Público do Estado de São Paulo, na regional de Ribeirão Preto.
Rachel amplia a questão da violência no seu trabalho e trata dela de duas formas: a explícita e a simbólica. A primeira é caracterizada por atos ostensivos que vão desde as agressões físicas, verbais, psicológicas, danos ao patrimônio público, como também o uso de álcool e drogas e o porte de armas brancas ou de fogo.
Em geral, conta a pesquisadora, estes atos possuem uma visibilidade maior porque ocorrem de forma clara e são atribuídos, principalmente, aos estudantes, mas também podem ser praticados por professores ou outras pessoas do ambiente escolar.
Já a violência simbólica, ou também conhecida como violência institucional, ocorre de “uma forma velada, por meio de atos simbólicos”. Ela ocorre nas relações entre estudantes e professores, no uso abusivo da autoridade dos professores, nos mecanismos de poder que são atribuídos a eles e nas formas de avaliação e atitudes que desqualificam ou mesmo fazem com que os estudantes se sintam incapazes ou “inadaptados” à ordem estabelecida, detalha Rachel.
O resultado são professores que não conseguem se constituir como uma autoridade positiva, utilizando uma violência institucionalizada, sem se dar conta disso tentando impor um poder legitimado pelo sistema e os estudantes resistindo da forma como conseguem, com comportamentos inadequados e atos indisciplinares.
“Esta é uma pesquisa que coloca a atenção em facetas da violência pouco percebidas nas escolas”, diz a orientadora do estudo, a professora Hilda Maria Gonçalves da Silva, do departamento de Educação, Ciências Sociais e Políticas Públicas da Unesp de Franca.
Os docentes, em especial, precisariam tomar consciência destes tipos de violência, diz a orientadora. Ela está presente nas palavras, nas regras, na distribuição dos agrupamentos de alunos e, muitas vezes até nas devolutivas de dúvidas e orientações de aprendizagem um tanto desdenhosas do conhecimento, ou da falta de conhecimento dos estudantes.
A professora ressalta que a conscientização dos docentes sobre essas facetas da violência poderia contribuir em muito, para minimizar algumas tensões, violências verbais e físicas que ocorrem no interior da escola e, em especial para a melhoria do processo de aprendizagem. “Um estudante humilhado dificilmente aprende”, pontua.
O desenho da violência
Os dados para a pesquisa foram levantados no ano passado e os estudantes avaliados cursavam o 2º ano do ensino médio. Uma das escolas avaliadas está localizada em um bairro populoso, em região de periferia da zona urbana, marcada pela influência do tráfico de drogas, da violência e do desemprego. Nesta instituição, participaram da pesquisa 15 estudantes e seis professores.
A outra escola está situada próximo ao centro e regiões nobres da cidade. No seu entorno há consultórios médicos de alto padrão, escritórios, além de comércios em geral, “o que faz com que a área residencial seja menor e, em sua maioria, formada por condomínios, caracterizando um perfil populacional com padrões um pouco mais elevado”, diz. Colaboraram com o estudo 25 estudantes e quatro professores.
Rachel acompanhou estes estudantes e professores dentro de sala de aula durante 15 dias. Ao longo deste período, ela verificou o comportamento dos estudantes; a postura dos professores no exercício do poder; a dinâmica das aulas; o relacionamento entre professores e estudantes; os atos ostensivos de violência; e a violência simbólica.
A culpa é do estudante
Outra forma usada de avaliação foi a aplicação de questionários aos estudantes e professores como forma de diagnosticar a percepção deles na questão da violência escolar. Foram utilizados três questionários: um sobre violência escolar, aplicado aos estudantes e professores, e um outro que retrata o perfil socioeconômico dos estudantes. Tanto nas respostas dos estudantes como dos professores, há um entendimento comum do conceito de violência que não se limita a agressões físicas. Constam ainda as agressões verbais e psicológicas e os danos ao patrimônio público.
Uma das constatações do estudo, diz a assistente social, é que foi confirmada uma visão do senso comum que “à violência escolar é um ato que de imediato é relacionado à conduta dos estudantes”, os quais, em grande parte, são responsabilizados pelos atos violentos existentes na escola. Na análise do perfil socioeconômico dos estudantes mostrou que há alguma aproximação entre eles nas duas escolas como, idade, sexo, estado civil e local de origem dos estudantes.
Já alguns indicadores mostraram que a escola localizada na região periférica, está mais propensa à vulnerabilidade social, por meio de indicadores que dizem respeito à raça e à renda familiar, como também pelos que apontam possíveis violações de direitos, tais como: índices educacionais, histórico familiar de violência doméstica, dependência química, entre outros.
“Embora estes aspectos apareçam nas duas escolas, são mais acentuados na escola de periferia”, conclui Rachel. A pesquisa não abordou o perfil dos professores.
Fonte: Unesp