Antônio Gois

“Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública”. A declaração, em 1936, é de Anísio Teixeira. No contexto da época, era uma defesa do acesso a uma educação integral de qualidade para todos os brasileiros, de modo a diminuir desigualdades e romper com o elitismo do sistema. O desafio continua atual, mas, no contexto de hoje, podemos acrescentar à frase de Anísio outros significados.

Faltam pouco menos de três meses para uma eleição tensa e, seja qual for o resultado, não resta dúvida que sairemos dela ainda mais divididos. Polarização sempre existiu, e nem mesmo podemos dizer que a violência política seja novidade no Brasil. No entanto, quase quatro décadas depois da redemocratização, esperávamos que episódios como o da semana passada, de assassinato de um simpatizante do PT por um bolsonarista radical, já estivessem superados. E o que a escola pública tem a ver com isso? Muito, se pensarmos que é também função dela o preparo para o exercício da cidadania, o que inclui o aprendizado para o convívio respeitoso com as diferenças.

Os objetivos da educação são, constantemente, objeto de disputas, e variam de acordo com o contexto de cada país e de seu tempo. Por exemplo, uma das expectativas bastante enfatizadas no século XX por uma parcela significativa da sociedade era a ampliação de capital humano, contribuindo assim para o desenvolvimento econômico. No Brasil de hoje, este segue sendo um dos principais objetivos (não o único) do sistema, conforme consta em nossa Constituição. Mas há outros, e uma das maiores carências de nossa atual democracia é a baixa coesão social. Quanto menor ela for, maiores são as chances de disfuncionalidade do sistema, o que, por sua vez, prejudica o desenvolvimento social e econômico.

Este é um dilema que não se restringe ao Brasil. Em artigo publicado na semana passada na revista Phi Delta Kappan, o pesquisador Jon Valant argumentava o mesmo para o contexto dos Estados Unidos. Para o autor, estamos passando por mudanças dramáticas na forma como consumimos informações e nos relacionamos uns com os outros. “Essas mudanças, juntamente com nossa falta de preparação para lidar com elas, ameaçam aspectos centrais da vida americana. Essas ameaças não diminuirão, não importa quem vença qualquer eleição em particular, a menos e até que nos preparemos para navegar nesse novo terreno. As escolas têm um papel importante a desempenhar nesse trabalho, mas se queremos que desempenhem esse papel, teremos que repensar o que significa fornecer e mensurar uma boa educação.”

Para ele, há um descasamento entre as prioridades sinalizadas às escolas e aquelas que a sociedade hoje mais precisa: “As ameaças mais graves que enfrentamos como país, agora e no futuro próximo, não são sobre o treinamento da força de trabalho. Não são ameaças que podem ser neutralizadas com melhor alfabetização e numeramento, ou mesmo ajudando mais alunos a fazer uma transição bem-sucedida para a faculdade (embora essas coisas possam ajudar). O problema não é que não estejamos preparados para nossa economia do século 21; é que não estamos preparados para nossa democracia do século 21.”

Voltando ao contexto brasileiro, podemos dizer que o desafio é duplo. Ainda não completamos a agenda básica do século XX (basta ver nossos indicadores de conclusão e de aprendizagem), mas, hoje mais do que nunca, precisamos também apoiar as escolas na árdua tarefa – compartilhada com toda a sociedade – de reconstrução da democracia.

Antônio Gois, jornalista especializado em educação, publicação O Globo.

 

Assista abaixo o vídeo com entrevista do Antônio Gois, realizada pela TV WEB CPP.