A educadora Therezinha Carmen de Lima Dib, associada do Centro do Professorado Paulista há 67 anos, desde 1954, resolveu escrever sua história desde o início da carreira. Aos 91 anos, aposentada como professora de Educação Básica III e residente em Mairiporã, tem orgulho e galhardia da atuação no magistério paulista. Entregou o texto abaixo na Sede Regional do CPP, pessoalmente.
Eram seis horas e trinta minutos quando um caminhão velho tipo ‘Ford’, vindo de outro município, com o motorista e o secretário da Prefeitura, parou em minha casa para me apanhar e ir conhecer a minha primeira escolinha, logo após a formatura da Escola Normal do Instituto Americano, como professora de Educação Básica I. Lá fomos nós pelas estradas cheias de buracos, por entre matas fechadas, chocalhando para cá e para lá, onde finalmente chegamos na casa de pensão dos professores.
A proprietária do sítio, que se localizava numa região isolada, sem condução nem meios de sobrevivências alimentares, já foi nos despachando de início, pois não queria mais ninguém ali. Indaguei o porquê, e, segundo ela, as professoras eram exigentes, enjoadas mesmo, e quando brigavam com os noivos, jogavam as alianças no meio do mato, e era ela quem ia procurar para apaziguar os ânimos. Não queria mesmo, nós que fôssemos procurar outro lugar.
Diante dessa situação me pus a chorar, e o secretário a implorar, pois todas as demais casas eram longe da escola que se situava no meio de um pasto, cheio de vacas e bezerros. Daí ela pensou bem e propôs que eu ficasse uma semana, até que encontrasse outro lugar. Neste espaço de tempo fiz tudo para agradá-los. Ensinei a costurar, bordar, fazer crochê e tricô, receitas (tudo que naquele tempo se aprendia na Escola Normal, e muito me auxiliou).
Lá fiquei. E o alimento básico era o ovo. O ovo no almoço, no jantar e, antes de dormir, uma gemada. Segundo cálculos feitos por minhas alunas, quando conto, devo te ingerido mil e duzentos ovos, o que considero um desafio para a medicina, pois nem colesterol alto tenho. Nesta casa acabei morando quatro anos e nunca me esqueço. Ali aprendi a viver a vida simples dessa família espanhola amorosa, pois até a língua castelhana aprendi.
A escolinha ficava além da casa, e o bairro era o Bonito. A construção com sala ampla, no meio do pasto com poço artesiano, abrigava quatro séries, e à noite ensinava o curso de alfabetização para adultos, iluminado pela lamparina. Essa escola foi um desafio para minha experiência. Mas quando se faz aquilo que gosta, tudo se transforma, sem fixar-se nas dificuldades de qualquer ordem, apenas em facilidades e amor.
Mais tarde prestei concurso e, da Escola Rural do Bairro Bonito, ingressei como efetiva na Escola do Vale Formoso, uma fazenda com carros, avião, cinema. Mas, assim como na primeira escola, eu só ia para casa uma vez por mês, pela dificuldade de locomoção. Nesta escola eu tinha crianças indígenas, da tribo Tupi Guarani, alunos com dificuldade de aprendizagem, muito humildes. Quem levava era a mãe “Cuia”, a qual se abastecia de tudo que eu tinha na cozinha: queijo, pães , carne, etc.
Nunca me queixei dessas escolas, pois amo a mãe natureza e tudo que nela existe. Com o tempo fui me removendo para vilas, cidades. Já na terceira escola, a maioria da população era de origem japonesa, filhos disciplinados e estudiosos. Lá deixei uma infinidade de afilhados nipônicos e também um animal de estimação, uma égua, que foi batizada como Marta Rocha pelo primeiro dono que a rifou, pois era professor e foi removido.
Um dia resolvi me mudar para São Paulo para cursar uma faculdade de pedagogia, ampliando e atualizando os meus conhecimentos. Prestei vestibular, cursei e, ao conseguir o diploma, ingressei como Professora III para ministrar aulas no curso do magistério. Em São Paulo, ensinei em escolas de norte a sul e de leste a oeste, de periferias a centrais. No ano seguinte, reuni-me com uma grande equipe e editamos um livro didático e pedagógico, com sugestões para o ensino atual. Era a minha grande satisfação ver alunos do curso magistério e professores portando esse livro de sugestões e de nossas experiências, um orgulho para a nossa classe.
Casei-me, tive dois filhos estudiosos e responsáveis, mas acabei mudando para o interior para melhor criá-los, e onde até hoje me encontro. Dentro da minha profissão, já ocupei vários cargos de professor, coordenador, assistente de direção e substituto de diretor. Atualmente, estou aposentada, mas muito me orgulho da minha carreira, pois nasci para ser educadora mesmo, tanto que me dediquei 45 anos de profissão. Procurei sempre passar aos meus alunos o amor, a honestidade, a seriedade, a ética profissional, que nunca deixem o ideal morrer. Adoro meus discípulos e até hoje me sinto bem com eles, com os antigos colegas, com ex-diretores.
Por fim, colaboro sempre quando sou requisitada em eventos de formaturas, festas, viagens, pois, além de mestra, sou companheira. Passo sempre aos alunos que quando se tem vocação para ensinar, não precisa culpar este ou aquele sistema de educação, pois até numa simples folha de embrulhar pão você consegue ensinar uma criança. E se me perguntassem o que eu gostaria de fazer novamente, eu diria: “ser educadora, começaria tudo de novo”.