Para quando, o negro como docente universitário?

O amanhã chegou. É urgente pensar sobre como a Universidade, especialmente no Brasil, é um locus de saber ainda restrito a determinados grupos. Não se trata de desconhecer o alcance de políticas públicas de inclusão já implantadas para que novos personagens pudessem tomar seus lugares de direito nos bancos escolares, mas é preciso avançarmos efetivamente em torno da ideia de que os quadros da Universidade brasileira precisam se alterar. Assim, tomamos de empréstimo a pergunta formulada pelo historiador Joseph Ki-zerbo, que indagou “Para quando África?”, e nos perguntamos “Para quando, o negro como docente na Universidade brasileira?”.

É preciso lembrar que o modelo de Universidade, tal qual a conhecemos, teve sua origem na Europa há mais de dois séculos e se dedicou às discussões em torno do desenvolvimento da ciência e na emergência de formação dos Estados-nação – ciência e poder. É preciso também desvelar que a Universidade tem se constituído a partir da marginalidade de saberes dos povos que vivem em África e também em diáspora e que isso reverberou numa prática na qual o acesso às instituições de ensino superior foi sendo relegado a um outro conjunto de povos, os europeus. Os temas sobre os quais a Universidade historicamente se ocupou no período pós-medieval foram raptados e adaptados, a partir de uma forma cartesiana de saber, da qual o Ocidente foi credor.

O momento atual é de ação. Entre os anos de 2016 e 2018, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2019), a proporção de estudantes pardos e pretos de 18 a 24 anos de idade no ensino superior aumentou, passando de 50,5% para 55,6%. Os números revelam uma desigualdade, à medida que ficaram abaixo dos 78,8% de estudantes na população branca de mesma faixa etária nesse nível de ensino. É irrefutável afirmar que há severas desvantagens da população preta ou parda no que se refere às dimensões necessárias para a melhoria de suas condições de vida.

Se os números de inclusão da população negra no ensino superior – pretos e pardos – são ainda insuficientes, não é diferente a realidade no que diz respeito à inserção nos quadros docentes das Universidades. A PUC-SP nos deu uma mostra disso quando, ao pensar nas políticas de inclusão docente, revelou ter apenas 5,34% de professores negros em seus quadros. Qual é a justificativa para esse retrato? É a reprodução de um modelo de Universidade que ainda discute ciência e poder sem que isso inclua negros. Os reflexos vemos na forma como a sociedade brasileira vem se organizando.

Como resposta efetiva e prática, a PUC-SP estabeleceu, no último mês de abril, uma nova política de ação afirmativa para contratação de docentes negros – pretos e pardos –, até que se chegue à porcentagem de 37% do total de seu quadro docente. A medida vale para os próximos seis anos, contados a partir do 2º semestre de 2023, ou até que se atinja o número estabelecido, que acompanha o percentual de autodeclarados negros no Estado de São Paulo. Eis a radicalidade da proposta, combater aquilo que tem se tornado comum e cooptado pelas políticas neoliberais, que aqui denominamos de “afroconveniência” ou “afro-oportunismo”. Uma sociedade fundada no mito da democracia racial é aquela que, entre outros, invisibiliza a produção de conhecimento de homens e mulheres negras. É sob essa violência antinegra que o capitalismo opera uma espécie de injustiça epistêmica que questiona a credibilidade e, por isso, impede o acesso de docentes e pesquisadores negros e negras ao exercício do magistério nas Universidades do Brasil e no mundo Ocidental afora.

Não aceitamos que a falta de docentes negros implique em um discurso que alguns tendem a justificar como uma questão de qualidade na relação ensino-aprendizagem. Isso nos parece uma espécie de chorume ideológico cartesiano que não cabe mais e para o qual rememoramos Aimé Césaire: “é indefensável!”.

A Universidade brasileira não poderá fugir ao debate e à ação prática de que para discutir ciência, ensino e poder é preciso que negros, indígenas, mulheres e lgbt+ tenham assento nas carreiras universitárias.

Se não hoje, para quando?

*Amailton Magno Azevedo é Doutor em História, Fabio Mariano da Silva é Doutor em Ciências Sociais, e Mônica de Melo é Doutora em Direito