Para justificar nova tributação, órgão diz que pobres não leem

Em documento sobre a reforma tributária publicado nesta semana, a Receita Federal afirma que pessoas mais pobres não consomem livros não didáticos e defende que os produtos sejam tributados como forma de priorizar políticas públicas. Na proposta de reforma enviada ao Congresso no ano passado, o governo indicava a unificação de Pis e Cofins, criando novo tributo sobre consumo batizado de CBS, ou Contribuição sobre Bens e Serviços. A alíquota proposta é de 12%.

A venda de livros e do papel destinado à impressão é imune à cobrança de impostos, segundo determina a Constituição – a regra não se estende às contribuições. Além disso, uma lei de 2014 concedeu isenção de Pis e Confins sobre a receita da venda de livros e do papel usado para a fabricação desses produtos.

A proposta do governo, para a CBS, abre caminho para o fim dessa isenção para livros, que ficariam sujeitos à mesma alíquota de 12% dos outros setores. Nesta semana, a Receita publicou documento sobre a CBS. Um dos pontos explica por que o novo tributo será cobrado na venda de livros. O Fisco usa dados do IBGE para justificar que a isenção sobre esses itens acaba beneficiando a camada mais rica da população.

“De acordo com dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2019, famílias com renda de até dois salários mínimos não consomem livros não didáticos e a maior parte desses livros é consumida pelas famílias com renda superior a dez salários”, diz o documento.

Segundo o órgão, dada a escassez de recursos públicos, a tributação dos livros permitirá que o dinheiro arrecadado seja destinado a políticas mais direcionadas. A Receita argumenta que não existem avaliações que afirmem que houve redução do preço dos livros desde a isenção.

Na avaliação do advogado tributarista Fernando Raposo Franco, o recorte feito pelo governo é tendencioso ao considerar apenas famílias com renda abaixo de dois salários mínimos e acima de dez salários. Segundo ele, o argumento ainda cria uma distorção, uma vez que a CBS incidirá sobre livros não didáticos e também os didáticos.

“Mesmo considerando apenas os livros não didáticos, como fez a Receita, as famílias com renda inferior a dez salários mínimos respondem por quase 48% do consumo. Se olharmos apenas para os livros didáticos e revistas técnicas, temos que mais de 70% do consumo total é atribuído às famílias com renda inferior a dez salários”, afirma.

Raposo Franco concorda com a avaliação de que é necessário priorizar políticas públicas na questão da leitura, mas faz ressalvas. Para ele, a restrição orçamentária do governo impede que eventual aumento de arrecadação seja usado para novos programas. “Se prosperar a proposta do governo, corremos o risco de que essa política de incentivo ao acesso a bens culturais e educacionais da relevância dos livros seja extinta sem que nada mais focalizado e eficiente seja posto no lugar”.

POSIÇÃO DO CPP

Segundo a professora Loretana Paolieri Pancera, primeira vice-presidente do CPP, é uma bravata. “O leitor, pobre ou rico, deve ter o poder para decidir o que quer comprar”, afirma. Em sua análise, livro não pode ser considerado artigo de rico por uma pessoa pública que trabalha a serviço da população, porque o livro está na base da formação da cidadania. “Não é artigo nem de rico nem de pobre, e sim uma produto cultural e universal”, enfatiza Loreta, como é conhecida no magistério paulista. Ela foi alfabetizadora.

A entidade espera a não aprovação dessa proposta, que é absurda e merece repulsa imediata da sociedade e da classe política.

Fonte: Folha de São Paulo e Agora São Paulo