Para celebrar o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, o Portal CPP abre espaço para Nélida Capela, pesquisadora e mestra em Teoria Literária, que lança “É Apenas Agitação: A semana de 22 e a reação dos acadêmicos nas célebres entrevistas de Peregrino Júnior para O Jornal” (Editora Telha), livro que reúne as icônicas entrevistas feitas por Júnior aliadas a uma análise meticulosa sobre os acontecimentos da época e seus desdobramentos. A obra apresenta material secular de valor histórico que merece servir como fonte de estudo de várias gerações.
As dez entrevistas foram feitas com nomes pertencentes à Academia Brasileira de Letras. Destacam-se Coelho Neto – talvez o mais famoso à época –, João Ribeiro, Silva Ramos, Laudelino Freire, Cláudio de Souza e Medeiros e Albuquerque. Cada um desses, à sua maneira, enxergavam a Semana de Arte Moderna como uma agitação que não daria resultados, uma imitação do que acontecera na Europa. Já os mais eufóricos achavam que o movimento era auspicioso, que gozava de boas intenções e que poderia, sim, movimentar as letras nacionais.
Confira a entrevista da escritora Nélida para o Portal CPP.
Portal CPP: Realizada no Theatro Municipal, em São Paulo, a Semana de Arte Moderna durou apenas três dias, mas foi determinante para o rompimento com o tradicionalismo cultural da época que pouco ou nada se deixava influenciar por novas propostas. Qual foi o principal êxito, a maior conquista do movimento?
Nélida Capela: A Semana de Arte Moderno foi o marco, a convergência da agitação que tomava conta do Brasil e do mundo na década de 20. A partir da sua realização, foi inevitável incluir nas artes e na literatura o desejo da reformulação cultural, da brasilidade, do rompimento com as formas academicistas da época e das influências estrangeiras. O embate na literatura, que é o meu foco de trabalho, era direto contra a Academia Brasileira de Letras (ABL).
Nas entrevistas que estão no “É apenas agitação”, é possível constatar que os acadêmicos estavam atentos para essas propostas. Alguns acadêmicos concordavam que ainda não existia uma arte brasileira, mas que levaria tempo para construí-la. Outros, de fato, combatiam as renovações. Pense que Graça Aranha, acadêmico que participou da fundação da ABL, em junho de 1924, profere o ensaio O Espírito Moderno dentro da ABL, e neste ensaio, que recomendo leitura, disse: (…) Temos de criar a nossa expressão própria. Em vez de imitação, criação. Nem a imitação europeia, nem a imitação americana — a criação brasileira. Todos os povos criaram. O próprio americano do norte, ainda inculto, criou. Só o brasileiro se julga incapaz de criar e resignado se humilha na imitação”.
Nesse mesmo ano, Graça Aranha rompe com a ABL. Mas um pouco depois, a própria ABL revê seu posicionamento e se abre para os modernistas, tanto que ingressaram lá Manuel Bandeira, Ribeiro Couto, Guilherme de Almeida, Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia. E sobre a cultura brasileira, desde então estamos fazendo esse inventário e descolonizando a cultura.
Quais os valores que mais prosperaram na educação brasileira a partir da origem do modernismo, o que mudou radicalmente que ultrapassou até mesmo os limites da arte?
As pesquisas sobre língua; a reorganização dos estudos folclóricos e crítico-históricos; os regionalismos; a descentralização intelectual; a sistematização da cultura nacional. Ainda hoje há reflexos, o Modernismo não deu conta da nossa expansão em termos de nação.
Pelas entrevistas publicadas no livro “É apenas agitação”, realizadas quatro anos após a realização da Semana de 22, sobre o momento literário, constatamos que ainda havia muitas dificuldades na difusão da cultura brasileira, por exemplo, na entrevista de Cláudio Souza, que também era dramaturgo, ele comenta sobre a publicação de mais obras do teatro francês do que as publicações das peças brasileiras.
Naquele momento a capital cultural do país era o Rio de Janeiro, que difundia as ideias futuristas/modernistas, pois ali aportavam intelectuais de todo o Brasil, o Rio de Janeiro era a metrópole. Com o incentivo da realização da Semana de 22, o Brasil passou a ter mais um polo de cultura que passou a ser São Paulo, principalmente com incentivos econômicos. Vamos pensar também na arquitetura da cidade, na questão do pensamento político, na expansão das universidades, na organização de movimentos sociais.
Volto à opinião do Coelho Neto sobre o momento literário mas que podemos colocar para o momento da época: “É apenas agitação” – só que não; o mundo estava muito agitado, ascensão de ideais populistas, queda de impérios, avanço de organizações fascistas, luta pelo voto feminino, grande volume de imigração, pós-primeira Grande Guerra Mundial, Ku-Klux-Klan. E o agito chegou ao Brasil.
A Semana de Arte Moderna representa um momento icônico onde foi proposta uma ampla reflexão sobre a identidade da nossa arte. Recebeu muitas críticas negativas. Com o passar do tempo, foi vista como uma vitoriosa revolução artística. Entretanto, os estudantes das mais recentes gerações não são capazes de reconhecer os protagonistas dessa história. Por quê?
As mais recentes gerações estão pegando o bonde andando ainda, para os mais jovens, imagina um jovem de 15 anos, acredito que nunca tenha ouvido falar da Semana de 22. O que precisa fazer é investir e atualizar a linguagem para falar da Semana, por exemplo, quando em 2007, a Copeerifa – Cooperação Cultural da Periferia – realiza a Semana de Arte Moderna da Periferia, significa que estão pensando no novo público, principalmente da periferia, que ficou ausente, inclusive em 1922. Se neste centenário a FLUP – Festa Literária das Periferias – celebra os 100 anos de modernismo negro, é porque a Semana de 22 não deu conta de falar com a brasilidade.
O importante é ter espaço para que as novas gerações vejam e revejam a Semana. É preciso incentivar as edições de textos esgotados dos autores da época; é preciso publicar, como a Maria Eugênia Boaventura fez, os textos críticos sobre a semana, é preciso publicar as entrevistas de diferentes setores da cultura. É importante não enterrar a reflexão crítica sobre o momento social e político também. As novas pesquisas, abertura de arquivos e a nova safra de pesquisadores ainda contribuirão muito para pensar a Semana de 22 e informar as novas gerações.
É importante ter o incentivo regional também, para que em cada pedaço do Brasil identifique a contribuição para a cultura brasileira. E é preciso resgatar aqueles que foram excluídos.
Sobre a autora
Nélida Capela é mestra em Teoria Literária pela PUC-Rio, atua há 20 anos no mercado de livros como livreira, curadora de acervos e produtora de eventos com especialidade nos eixos temáticos antirracistas, indígenas e estudos de gênero. Atualmente, pesquisa o mercado das editoras independentes e de conteúdos insurgentes.
Sobre o livro
“É Apenas Agitação” traz um misto de reconstituição de cena literária, retrato de época e crítica cultural, tudo isso costurado junto da reflexão crítica de Nélida que analisa e contextualiza cada resposta dos escritores com rara dedicação. O livro é da Editora Telha.