Ana Valéria Araújo e Maíra Junqueira
Em 2015, todos nós temos razões especiais para refletir sobre a importância do Dia Internacional dos Direitos Humanos, comemorado em 10 de dezembro. A data lembra a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas e é importante para não esquecermos a necessidade diária de enfrentamento das violações que afetam a dignidade da pessoa humana.
Em nosso país, os motivos para a reflexão estão especialmente relacionados ao fato de que, infelizmente, 67 anos depois, o Brasil continua a ser um dos lugares mais violentos do mundo. Convivemos com uma triste estatística de 50 mil pessoas assassinadas por ano, que em sua maioria são jovens e dos quais a maior parte é negra. Parece que a Declaração Universal dos Direitos Humanos nunca foi lida por políticos e empresários deste país que assistem inertes a esse quadro devastador.
A violência epidêmica e a seletividade das mortes que atingem, sobretudo os jovens negros estão tão naturalizadas que não conseguem mobilizar o país para uma discussão sobre as causas reais da barbárie em que vivemos, o que é fundamental para que se possa vislumbrar uma solução para o problema.
Ao contrário, quanto mais crescem os números de mortes, mais as forças políticas do país reagem de maneira errática, como a recente tentativa do Congresso Nacional de afrouxar as regras para o controle do uso de armas e a proposta de reduzir a maioridade penal.
Como se não bastasse tanto horror e iniquidade, em 2015 a sociedade civil se deparou com a retomada da agenda conservadora no Congresso Nacional, que ameaça as conquistas e os avanços democráticos alcançados a partir da Constituição de 1988, marco institucional do reordenamento da sociedade após o fim da ditadura militar.
A agenda de retrocessos ocorre em um contexto mundial e nacional complexo, em meio a dificuldades econômicas, grave crise política interna e um momento de desesperança vivido em grande parte do planeta, o que reflete no recrudescimento do terror e dos conflitos armados.
O desafio é grande para os que lutam pela redução das desigualdades e pelo aprofundamento da democracia brasileira. Defensores dos direitos humanos são obrigados hoje a lidar com a forte influência das bancadas da bala, do agronegócio, da mineração e do fundamentalismo religioso na política e na sociedade de forma geral, que encabeçam a agenda de retrocessos no país.
Lidamos ainda com as violações de direitos decorrentes das imperfeições do modelo de desenvolvimento econômico brasileiro. O país está longe de encontrar o equilíbrio entre investimentos em grandes projetos e respeito às populações e ao meio ambiente. Um exemplo gritante é a devastação ambiental e o sofrimento de milhares de pessoas em várias cidades afetadas pelo rompimento da barragem de mineração em Minas Gerais. As empresas envolvidas foram incapazes de preparar as populações atingidas para uma situação de risco e estão sendo absolutamente incompetentes em atenuar os danos que provocaram.
Neste cenário, a força do cidadão comum e das organizações de direitos humanos é fundamental para enfrentar as ameaças de retrocessos. Os protestos liderados por jovens nas ruas em 2013, as mulheres nas ruas contra os retrocessos e para defender os seus direitos e os estudantes ocupando escolas em São Paulo mostram que há toda uma geração mobilizada contra as consequências das desigualdades de renda, da falta de acesso à Justiça e à educação e também da corrupção na esfera política.
O Dia Internacional dos Direitos Humanos tem importância ainda maior neste ano. A data deve ser encarada como uma oportunidade de mostrar que as conquistas da nossa democracia não podem ser perdidas. E, também, de lembrar que já passou da hora de resolvermos antigos problemas estruturais, como o racismo e a violência.
Ana é coordenadora executiva do Fundo Brasil de Direitos Humanos; Maíra é coordenadora executiva adjunta e coordenadora de desenvolvimento institucional do Fundo Brasil de Direitos Humanos