Não existe um salto exponencial em Educação sem a valorização do educador
A pandemia de Covid-19 amplificou muitos dos problemas sociais enfrentados no Brasil, e um dos sintomas que atingiram em cheio a educação no país foi o aumento da evasão escolar. Rodrigo Dutra, em recente publicação no TutorMundi, afirmou que a evasão escolar sempre foi um desafio brasileiro e que há diferença entre abandono e evasão escolar, termos usados muitas vezes como sinônimo, mas com efeitos práticos diferentes.
“Abandono escolar acontece quando um estudante deixa de ir às aulas durante o ano letivo, por qualquer motivo que seja. O efeito direto é a reprovação ou baixo desempenho acadêmico. Mas quando o aluno, após abandonar a escola, não retorna e não se matricula no ano letivo seguinte, consideramos o caso como evasão escolar. Esses jovens, reprovados ou não, desistem de continuar os estudos e entram na vida adulta sem concluir o ensino básico”, esclarece o articulista.
Para o Centro do Professorado Paulista, Claudio Sassaki, mestre em Educação pela Stanford University e cofundador da Geekie, empresa referência mundial em educação, emite sua opinião em relação à evasão escolar das escolas públicas.
“As causas da evasão escolar são diversas e multifatoriais. As pesquisas mostram que temos desde a dificuldade de acesso à escola – na pandemia, dificuldade de acesso à internet, passando por gravidez na adolescência e problemas financeiros familiares até a falta de conexão da escola com o cotidiano desse jovem. Ou seja, há uma omissão da escola (como instituição) quando se trata de novas habilidades essenciais para esse cenário global. Por exemplo, o analfabetismo digital, cuja falta de fluência no ambiente virtual dificulta o acesso a conteúdos globais e em inglês. Na prática, os jovens ficam à margem de informações que estão disponíveis na rede para todos e que podem impactar na empregabilidade, por exemplo. Bons níveis educacionais garantem a criação de uma força de trabalho preparada para a concorrência com mercados mundiais – o que pode promover a economia de uma nação.
É preciso entender cada um dos motivos que afastam o jovem da escola e agir para endereçar cada um deles; além de ouvir os educadores para a construção de soluções conjuntas. Para isso, é necessário que a escola pública tenha as condições e desenvolva a capacidade de tratar cada aluno individualmente, ou seja, crie mecanismos para enxergar as qualidades e dificuldades que esse indivíduo tem; na hora que ele precisa; e dentro do que faz mais sentido para esse aluno. Essa conduta passa por apoiar uma nova atuação do professor via metodologias pedagógicas que permitam redefinir o ensino de forma escalável, sustentável e acessível. É sabido que pessoas diferentes aprendem de formas diferentes, mas o modelo atual se propõe a ensinar todos da mesma forma.
E para fazer essa migração de uma escola convencional para esse lugar de aprendizagem efetiva, Sassaki defende firmemente o uso da tecnologia com intencionalidade pedagógica.“Temos que solucionar uma série de entraves – como a infraestrutura das escolas, por exemplo – antes de levar a tecnologia para a educação. Vale ressaltar, também, que a tecnologia com intencionalidade pedagógica tem como um dos principais fatores o professor, que conduz a mediação do conhecimento. Sem o professor não existe salto qualitativo na educação”, explica o expert em educação.
Para Sassaki, junto às decisões dos professores, existe a competência governamental: “As evidências são importantes para o professor avaliar a eficácia das próprias práticas e estratégias a partir de reflexões sobre a efetividade das experiências de aprendizagem que está proporcionando. Na prática, usar inteligência de dados a favor da visibilidade do conhecimento adquirido pelo aluno, com relatórios que comprovam o aprendizado, o professor pode tomar decisões pedagógicas baseadas em evidências de aprendizagem. É nisso que a tecnologia pode auxiliar! Mas, no caso de escolas públicas, isso passa pela capacidade de os governos – em nível Federal, Estadual e Municipal – terem mecanismos para a compra de soluções educacionais inovadoras e escaláveis”.
Segundo a Folha de São Paulo de 21 de maio deste ano, em cada dez estudantes no estado de São Paulo, pelo menos três devem abandonar os estudos neste ano devido à pandemia. Amenizar as consequências da evasão pós-pandemia é um desafio.
“Peço licença para citar um paper do Banco Mundial: “Esse é o maior choque mundial sofrido pelos sistemas educacionais na História da Humanidade”. É dessa forma que o Banco Mundial classifica o impacto da pandemia na Educação. No relatório, agindo agora para proteger o capital humano de nossas crianças no futuro, a organização alerta que o contexto que vivemos tem um sério impacto, sobretudo, nos estudantes em situação de vulnerabilidade social e econômica – o que gera um fenômeno classificado como pobreza de aprendizagem. Na prática, a parcela de crianças que não consegue ler e compreender um texto simples ao terminar o ensino fundamental tende a aumentar de uma linha de base de 51% para 62,5%; em vidas, estamos falando de mais de 7,6 milhões de crianças pobres de aprendizagem e de um aumento de 20% dos danos.
O mapeamento reflete que “embora os sistemas educacionais da América Latina e do Caribe enfrentem um desafio sem precedentes, esta situação excepcionalmente difícil abre uma janela de oportunidades para que a reconstrução torne os sistemas educacionais ainda melhores, mais eficazes, igualitários e resilientes”; na região, são 170 milhões de estudantes impactados. Outro dado relevante é que tal impacto tem potencial de ampliar a desigualdade dos resultados socioeconômicos em 12%, o equivalente a um quarto do ano letivo. Sendo bastante claro, crianças e jovens vulneráveis – do ponto de vista social e econômico – ficarão ainda para trás, sobretudo em regiões como o Brasil que já vivenciava uma crise de aprendizagem anterior à pandemia; nossos alunos já não tinham acesso a uma educação de qualidade. Quando pensamos na evasão escolar, as simulações do Banco Mundial apontam para um aumento de 15% por conta da crise sanitária.
A redução das desigualdades digitais, de infraestrutura e de capacidade digital pedagógica e de sistemas passam pela transposição dessas barreiras de acesso. Ou seja, para amenizar o impacto negativo da pandemia na educação, compartilho da visão do Banco Mundial que aponta que isso está condicionado à capacidade de governos investirem na inclusão digital, sobretudo, em escolas públicas. Do lado do ensino privado, o desafio da comunidade escolar é vencer medos e preconceitos associados a conceitos errados do que é a tecnologia dentro da sala de aula. Em síntese, como diz Howard Gardner, psicólogo cognitivo e educacional, cientista das inteligências múltiplas e diretor-sênior do Project Zero, da Universidade Harvard: “A qualidade do sistema educacional de uma nação será uma das principais determinantes – talvez a principal – de seu êxito durante o próximo século e para além dele.” Para finalizar, de novo cito o papel essencial do professor. Não existe um salto exponencial em Educação sem a valorização do educador.
Se a escola se tornar mais relevante, na percepção desse aluno, essa retenção será algo natural. Os modelos educacionais devem se adaptar para equipar esses estudantes com as habilidades destinadas a criar um mundo mais inclusivo, coeso e produtivo”.
Sassaki descreve transformações da educação e a Quarta Revolução Industrial:
“A análise do Fórum Econômico Mundial, contida no estudo Escolas do Futuro: definindo novos modelos de educação para a Quarta Revolução Industrial, aponta para oito características críticas para a transformação do conteúdo e de experiências de aprendizagem que dialogam com as demandas do século XXI. Vou comentar somente a quinta: aprendizagem personalizada e individualizada. Nela, a recomendação de que devemos sair de um sistema padronizado para um novo integralmente baseado em diversas necessidades individuais e flexível o suficiente para permitir que cada aluno progrida em seu próprio ritmo.
Para tornar mais claro o potencial da tecnologia para alavancar a educação, destaco três ganhos de eficiência no uso de inteligência de dados, sendo o primeiro, o estímulo da aprendizagem via personalização – a defendida pelo Fórum Econômico Mundial. Essa conquista está associada à possibilidade de o professor enxergar cada aluno em sua individualidade, ou seja, ao conhecer melhor o estudante – com potencialidades e dificuldades –, o educador pode criar planos e atividades educacionais que elevem o grau de aprendizagem individual.
Elevar a qualidade do tempo do professor é o segundo tópico que o especialista destaca: “com o uso da tecnologia, sobretudo a ciência de dados, o professor tem as tarefas mais burocráticas resolvidas pela inteligência de máquina, deixando a ele mais tempo para aprimorar metodologias pedagógicas e para a análise de dados que trazem evidências do nível de aprendizado de cada aluno e turma. E, aqui, está o terceiro: metrificação, ou seja, medir o desempenho dos estudantes com uso de dados – evidências de que o conteúdo foi realmente assimilado e as habilidades e competências plenamente desenvolvidas. Esse mapeamento de performance pode determinar, por exemplo, planos educacionais individuais e coletivos; o educador pode medir a evolução dos alunos e criar formas de auxiliar na melhora de desempenho. Sem contar a visibilidade que esses insumos produzem para a família. Os dados trazem um real protagonismo para alunos, educadores e responsáveis”, conclui Cláudio Sassaki.