Em consulta pública, programa Mais Educação acerta ao propor mudanças na educação municipal, como a revisão dos ciclos

Não servem para grande coisa escolas das quais estudantes saem com a impressão de que é possível “aprender sem esforço, construir sem trabalhar, criar sem perseverar”, para usar expressão do secretário municipal de Educação de São Paulo, Cesar Callegari.

Tal é, infelizmente, a realidade de muitos estabelecimentos públicos de ensino Brasil afora. Faz bem a Prefeitura de São Paulo ao se arriscar a pôr a mão nesse vespeiro.

Na raiz dessa pedagogia da leniência está uma noção generosa, a da progressão continuada. Para combater as altas taxas de evasão, há duas décadas se adotou o sistema de ciclos, em que o aluno deixa de ser aprovado ou reprovado a cada ano. Em teoria, ele passa a receber apoio para adquirir, ao longo de quatro anos, as competências estipuladas para cada fase.

Com efeito, a evasão recuou. Nas redes públicas paulistas (municipais e estadual), a taxa de abandono no ensino fundamental foi de 9,86%, em 1991, para 1,1%, em 2011. Um resultado admirável.

No que respeita ao aprendizado, a realidade é acabrunhante. Na mais rica cidade do Brasil, por exemplo, só 23% dos alunos da rede municipal terminam o ensino fundamental com proficiência em português, e 10% em matemática.

Sem que seja o único fator por trás desse fiasco, a progressão continuada decerto tem um peso. Aplicada de maneira precária, sem real acompanhamento dos alunos, tal política degenerou no que se chama –pejorativa, mas justificadamente– de aprovação automática.

Tem pouca utilidade, nessas condições, constatar ao final do quinto ano que um aluno não foi inteiramente alfabetizado –e é esse o caso de 38% dos estudantes.

Há sentido, portanto, em encurtar os ciclos, como quer o prefeito Fernando Haddad –o programa Mais Educação, que propõe essa e outras mudanças curriculares e administrativas, ficará em consulta pública por mais três semanas.

Com avaliações a cada dois anos, por exemplo, pode-se intervir de modo mais precoce para dar ao estudante as condições –como aulas de reforço– de recuperar-se nas matérias em que se atrasou.

Na mesma direção procede a decisão de emitir boletins bimestrais de avaliação para os pais. Também parece favorecer acompanhamento mais detido que as notas voltem à escala numérica (zero a dez), em lugar de conceitos frouxos, como “plenamente satisfatório”, “satisfatório” e “não satisfatório”.

Caminhar no rumo certo, porém, não garante que se alcance o objetivo. Assim como a progressão continuada desandou em aprovação automática, as modificações ora prometidas, sem professores bem treinados nem correta alocação de recursos, podem limitar-se a reintroduzir a mera reprovação punitiva –sem fazer a escola voltar a ser um lugar para ensinar e aprender.

  Editorial da Folha de São Paulo

SECOM/CPP