Ítalo Francisco Curcio
Certa vez, um conhecido muito próximo, pelo qual nutria grande admiração e hoje, apesar de falecido, cujos bons exemplos de conduta permanecem ainda em minha memória, disse-me a seguinte frase: “você poderá conhecer bem uma pessoa, quando ela estiver embriagada ou quando estiver no poder”.
Esta frase, não obstante sua simplicidade, nos leva à reflexão de que as citações de embriaguez e poder, embora também sejam possíveis, não necessitam ser entendidas ao pé da letra, mas, também, como uma metáfora. A embriaguez pode ser entendida como um estado emocional de euforia e o poder, como um estado emocional de autoridade.
Não é raro ouvir, numa repartição pública, um insatisfeito com o atendimento dirigir-se ao atendente e expressar: “saiba que eu pago seu salário, você é meu empregado”; ou num incidente qualquer, ao sentir-se ofendida, certa pessoa parte desequilibrada para uma agressão verbal ou até física.
Mesmo considerando-se que, em ambos os exemplos, cada um dos sujeitos possa argumentar suas próprias razões, pela conduta apresentada, verifica-se rapidamente que nas duas situações ocorreram erros elementares. Na primeira situação, o sujeito, num gesto autoritário, por defender que é um correto pagador de impostos, apodera-se com a prerrogativa de que o atendente é seu empregado. Na segunda situação, o ofendido, por sentir-se lesado, desequilibra-se e parte para a agressão.
Em casos como estes, ou em outros semelhantes, o que se verifica é a falta de discernimento e de desconhecimento do que é ser ético e simultaneamente ser cidadão.
A ética e a cidadania são decorrências culturais, assimiladas durante a formação do ser humano, desde seus primeiros instantes de vida. O melhor ensinamento que um pai, um professor, um ministro religioso ou um dirigente qualquer pode dar é seu próprio exemplo de conduta. Francisco de Assis, dentre tantos ensinamentos, deixou a seguinte frase: “Pregue o tempo todo, se necessário, use palavras”. Infelizmente, não é o que se verifica em nossa sociedade, tanto por parte do cidadão comum, quanto por dirigentes de instituições públicas e também privadas. Há muita falta de bons exemplos.
Pautados no modelo clássico de sociedade ocidental, em que a Família, Escola e Igreja são as instituições que educam o ser humano ou, como a etimologia do verbo educar sugere, conduzem as pessoas, desde sua mais tenra idade, verifica-se que somente se logrará o êxito da completa formação ética e cidadã, quando atuarem em cumplicidade mútua. Todos deverão convergir num mesmo objetivo: a formação de um componente da sociedade, de comportamento ético e cidadão exemplar.
A partir do momento em que estas três instituições passam a ser consideradas independentes entre si e que cada uma age de forma isolada, os paradigmas conflitam e o que se vê é uma sociedade individualista, na qual cada pessoa julga-se correta, apresentando comportamento que ignora a ética e a própria cidadania.
Além de se perseguir a chamada boa escola, boa igreja ou boa família, é necessário que essas instituições “conversem” entre si e busquem o bem comum: o cidadão ético. Somente assim, será possível descobrir novas lideranças que poderão dirigir uma instituição, desde sua própria família, uma empresa ou até a nação.
Faltam bons líderes, éticos e verdadeiros cidadãos, por isso os que hoje dirigem, justificam condutas inescrupulosas, pelas condutas de mesmo quilate apresentadas por outras pessoas.
Ítalo é coordenador do Núcleo de Ética da Universidade Presbiteriana Mackenzie.