Especialistas explicam importância do Fundo da educação e sugerem perigos de troca de favores para furar a fila do orçamento.

Segundo o G1, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou em reunião com prefeitos que, a pedido do presidente Jair Bolsonaro, repassa verbas para municípios indicados por dois pastores. Segundo o jornal “Folha de S.Paulo”, que divulgou o áudio do encontro, essas verbas saem do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Mas o que é o FNDE?
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) é o órgão do MEC responsável pelo repasse de verbas a secretarias municipais e estaduais para a execução de políticas educacionais da educação básica. Ações e programas de alimentação e transporte escolar, por exemplo, acontecem com apoio deste repasse. Apesar de ser focado na educação básica, o FNDE também apoia a execução de alguns projetos relacionados à educação superior e ao ensino técnico.

Como funciona?
O recurso do fundo é repassado para os municípios investirem em projetos educacionais, como construção e manutenção de escolas. Além disso, outras políticas públicas educacionais recebem verbas do fundo, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que oferece alimentação escolar e ações de educação alimentar e nutricional a estudantes da educação básica pública.

A aquisição de livros didáticos para as instituições públicas de ensino também é feita com dinheiro do FNDE.A solicitação da verba é feita por meio de um sistema do MEC que pode ser acessado pelo prefeito ou secretário municipal de educação, por exemplo.

Qual o orçamento do Fundo?
Em 2022, dos R$ 45 bilhões do MEC, foram destinados R$ 945 milhões para o fundo. Esse dinheiro vem de diversas fontes de captação de recursos públicos, como impostos e contribuições sociais.

Qual a importância dele para a Educação?
Para Romualdo Portela de Oliveira, diretor de pesquisa e avaliação do Cenpec, entidade que monitora a qualidade na educação, o FNDE é um dos recursos mais importantes do MEC por ser responsável pela expansão da rede pública de ensino.

 Por que a gestão do fundo é tão cobiçada por políticos?
Como não há prazo para o FNDE liberar os recursos – e, muitas vezes, isso pode nem acontecer –, partidos políticos disputam os cargos de chefia do órgão a fim de garantir que as demandas feitas por prefeitos e governadores aliados sejam priorizadas. Do outro lado, segundo Portela, prefeituras e governos também cobiçam a verba por ser mais “flexível”. Em entrevista ao jornalista Antônio Gois, do jornal “O Globo” reproduzida no episódio desta quinta (24) do podcastO Assunto, o ex-ministro da Educação José Goldemberg, que comandou a pasta durante o governo de Fernando Collor (1990-1992), afirmou que nunca passou por uma função que tivesse tantos recursos para serem distribuídos livremente, de acordo com a vontade do ministro.

“É por isso que o Ministério da Educação era cobiçado pelos políticos”, opinou.

Quem comanda o FNDE atualmente?
Desde junho de 2020, o FNDE é presidido por Marcelo Lopes da Ponte, que foi indicado pelo Centrão. Ele era chefe de gabinete do hoje ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), um dos líderes desse grupo.

O PL, outro partido do Centrão, foi responsável pela indicação do diretor de Ações Educacionais do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Garigham Amarante Pinto, que está desde 2020 no órgão, trabalhou 22 anos em funções de assessoria no partido. Além disso, diz o pesquisador, os critérios para liberação dos recursos não são transparentes, o que possibilita interferências como a descrita pelo ministro no áudio.

“Existe uma lista com a ordem para liberação da verba. O que acontece neste caso é que os pastores estavam interferindo para tentar furar a fila. E, como não temos um controle no Portal da Transparência para saber os critérios de priorização dos municípios e quais deles cumpriram com as condições necessárias, é difícil para a sociedade civil fazer um controle e é mais fácil para que esquemas como este aconteçam”, afirma.

Para o cientista político Wilson Sampaio, o suposto favorecimento na liberação de verbas pode ser lucrativo para os envolvidos politicamente.Segundo o especialista em orçamento público, outro ponto a se considerar é a dificuldade em conseguir apontar a responsabilidade de envolvidos sem cargo.

“É importante entender que este tipo de favorecimento é perigoso justamente por envolver sujeitos que não ocupam cargos públicos, e, por isso, são menos responsabilizados. Ao mesmo tempo, representantes públicos também lucram com estes esquemas e não cumprem o papel que deveriam ter perante a sociedade”, completa.