Publicada no dia 6 de julho de 2015, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), também chamada de Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), representa grande avanço na inclusão de pessoas com deficiência na sociedade. O documento, que entrou em vigor no dia 2 de janeiro de 2016, fixa punições para atitudes discriminatórias e prevê mudanças em diversas áreas, com destaque para a educação.

O senador Paulo Paim (PT-RS) foi o principal responsável por iniciar o debate da LBI no Congresso Nacional, há 15 anos, quando ainda era deputado federal. Ao chegar ao Senado, ele reapresentou a proposta, que acabou resultando na Lei 13.146/2015. Para o senador, a lei é uma revolução que beneficia 46 milhões de pessoas com deficiência e vem sendo elogiada em âmbito nacional e internacional.

“O Estatuto avança na cidadania dessas pessoas ao tratar de questões relacionadas à acessibilidade, educação, trabalho e do combate aos preconceitos e discriminação da pessoa com deficiência. Ele cria um novo conceito de integração total. Questões que eram desconsideradas agora terão que ser discutidas”, disse.

No âmbito da inclusão escolar, o Estatuto obriga as escolas privadas a promoverem a inserção de pessoas com deficiência no ensino regular e proverem medidas de adaptação necessárias sem que nenhum ônus financeiro seja repassado às mensalidades e matrículas. A Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) questionou a norma por acreditar que ela comprometeria o orçamento dos estabelecimentos de ensino, mas em junho o Supremo Tribunal Federal decidiu manter a exigência, considerada constitucional.

Pai de Beatriz, que possui Síndrome de Down, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), considera fundamental o incentivo e defende que as pessoas com deficiência têm que estar na escola regular com os outros alunos. Segundo ele, a relação é benéfica para os dois lados.

“Estamos superando a lógica da exclusão, onde pessoas com deficiência viviam em escolas separadas. Essa inclusão é boa para as pessoas com deficiência e para as outras pessoas também, já que vão encarar o mundo com maior diversidade. Todos ganham com a inclusão.”

Musa Vila Nova possui um filho autista de seis anos. A servidora pública disse que a principal dificuldade que enfrentou ao colocar Júlio para estudar foi fazer a escola entender que, mesmo sem um grau de autismo severo, a criança necessitava de um acompanhamento terapêutico. Além disso, Musa disse sentir falta de material pedagógico especializado e de cursos de capacitação para os professores e demais profissionais que irão conviver com essas crianças.

“Inicialmente, tive dificuldade em colocar um auxiliar terapêutico lá dentro, mesmo eu pagando. Tenho dificuldade de eles entenderem que a criança não pode estar em uma sala com muitos alunos porque o barulho incomoda muito. Dificuldade de não existir nenhum material especial elaborado pela escola para aprendizagem deles porque eles são visuais e não aprendem como as demais crianças”, explicou.

Musa ressaltou que qualquer ação voltada para inclusão das pessoas com deficiência no ensino regular deve ser comemorada. A servidora disse ter esperança que as escolas se sensibilizem com essa nova lei e que ocorra uma fiscalização das normas previstas.

“É importante a escola entender que essas crianças podem se beneficiar do convívio social e a gente não pagar taxas extras vai ajudar bastante vários pais e mães no sentido que os custos são muito altos para estimulação dessas crianças”, ponderou.

O consultor legislativo da área de Cidadania e Direitos Humanos do Senado, Felipe Basile, explicou que, apesar do avanço na educação inclusiva, a LBI não prevê capacitação de professores. Para ele, uma solução para essa falta de incentivo seria uma parceria entre os estabelecimentos de ensino e o poder público para que, juntos, criem condições melhores de receber os alunos com deficiência.

Felipe Basile acredita que o questionamento dos próprios estabelecimentos de ensino no STF demonstra que a exclusão, as barreiras e a discriminação são fruto de um aspecto cultural. Para ele, o país ainda precisa educar para inclusão no sentido de que as diferenças devem ser respeitadas e não discriminadas.

“A partir daí, se esse aspecto de educação e cultura for bem trabalhado, a gente nem precisaria de leis que promovam a inclusão, que garantam direitos, porque a pessoa com deficiência passa a ser uma pessoa com condições plenas de exercer os seus direitos como qualquer outra. Mas como isso ainda não acontece a lei tá trazendo remédios bem valiosos para gente avançar nesse quesito.”

Bom exemplo

O Centro de Ensino Fundamental (Cef 01) da SQN 106 é considerado pela psicóloga Paola Cecília Duarte como um bom exemplo de escola pública que vem trabalhando no processo de inclusão. Segundo Paola, o Centro conta com projetos pedagógicos especializados no sentido de sensibilizar os professores para que entendam o caso de cada aluno e preparem material diferenciado para eles. Além disso, a escola possui educadores sociais voluntários e passou por uma reforma recentemente, na qual foram aprimoradas estruturas para maior acessibilidade, como rampas e banheiros.

“Precisamos conhecer a especifidade de cada caso, conhecer as potencialidades desse aluno e adequar a escola para ele. Pensamos muito no aspecto social, na interação deles com os demais e no aspecto acadêmico também. Temos flexibilizações, adequações curriculares. Esse aluno é bem acolhido aqui.”

Paola afirmou que existem muitos casos na escola de alunos com deficiência que chegaram com muita dificuldade de interação e depois adquiriram uma ótima convivência com os colegas. Para ela, o aumento considerável desses alunos faz com que as escolas repensem seus modelos diariamente e permite uma rica convivência para todos os lados.

“Percebo uma evolução muito significativa nas políticas de inclusão. O objetivo principal é a quebra de paradigmas e que, no futuro, isso se torne uma mudança cultural.”

O procurador da República Fabiano de Moraes, coordenador do Grupo de Trabalho Inclusão da Pessoa com Deficiência, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF), afirmou que o Ministério Público Federal vem acompanhando a aplicação da LBI por meio da demanda da população e de inquérito civis abertos de ofício. Em relação à educação, o procurador informou que o Ministério Público tem trabalhado na eliminação das barreiras que impedem a educação inclusiva também no que se refere ao comportamento que prejudica essa inserção dos alunos com deficiência.

“Ainda existem muitas representações informando sobre discriminação em relação à educação inclusiva. Entretanto, aos poucos, as pessoas vêm reconhecendo que a inclusão dessas crianças na escola regular – e não mais a segregação em escolas exclusivas – traz vantagens para todos os alunos que, desde cedo, aprendem a conviver com as diferenças, auxiliando na construção de uma sociedade mais solidária e livre de preconceitos.”

Fabiano informou que sempre que houver a violação ou o desrespeito dos direitos garantidos na LBI, o cidadão pode representar ao Ministério Público, tanto pessoalmente em uma de suas unidades, como pelos seus canais de comunicação de atendimento ao cidadão na internet (cidadão.mpf.mp.br).

Para celebrar o aniversário de um ano da sanção desse documento, a Comissão de Direitos Humanos do Senado vai realizar, no dia 6 de julho, a partir das 8h30, o Seminário “Estatuto da Pessoa com Deficiência – Desafios Para a Concretização de Direitos”. O evento já conta com quase 500 inscrições de pessoas interessadas em debater o papel do Estado e da sociedade na aplicação da nova legislação. De acordo com Paulo Paim, presidente da CDH, a intenção é realizar, no próximo ano, seminários sobre o tema em todos os estados para que as pessoas se apropriem da lei.

“Trazer o Estatuto da Pessoa com Deficiência para a realidade das pessoas é o desafio que se apresenta. A lei que pega é aquela que as pessoas com deficiência ou não se apropriam dela e passam a exigir que ela seja executada. Se isso for feito, com certeza absoluta, estaremos melhorando a vida das pessoas que tem algum tipo de deficiência”, ponderou.

O senador ainda afirmou que é necessário pensar as ações de modo transversal e articulado, incluindo todos os Poderes constituídos e todas as esferas de governo: União, Estados, Municípios, DF e também as empresas privadas.

Apesar dos avanços assegurados pela nova lei em diversas áreas, o ponto que trata da chamada “curatela” tornou-se bastante polêmico e necessitou de ajustes. A curatela é o encargo atribuído pela Justiça a um adulto capaz para proteger os interesses de pessoas judicialmente declaradas incapazes, passando a se responsabilizar pela administração de seus bens e por outros atos da vida civil (como assinar contratos, movimentar conta bancária etc.).

Um dos artigos da LBI restringiu a curatela a atos de natureza patrimonial e negocial. Projeto de Lei de autoria dos senadores Paulo Paim e Antonio Carlos Valadares (PLS 757/2015),  aprovado em junho na CDH, tornou “preferencial” a aplicação desse instrumento de proteção. Porém, ao contrário da lei, o projeto passou a admitir o uso da curatela, ainda que em “hipóteses excepcionalíssimas”, em relação a decisões a respeito do próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.

“O que nós queremos com o aperfeiçoamento da legislação é garantir que a pessoa com deficiência possa escolher quem vai representar ou caminhar com ela em momentos de decisões que entendam outros que, pela sua deficiência, não poderia tomar”, finalizou Paim.

Como solução, o projeto atribui ao juiz a decisão sobre a adotação da curatela caso constate a falta de discernimento da pessoa para a prática autônoma desses atos. Nesse caso, e ainda para outros pontos que ficaram omissos, a proposta promove o resgate, com ajustes, de dispositivos do Código Civil (Lei nº 10.406/2002) que haviam sido abolidos pela própria LBI.

Fonte: Agência Senado