Foto: divulgação/assessoria PSOL

Única mulher na disputa pelo governo de SP, candidata do PSOL fala em mudar política de desonerações fiscais para alcançar índice salarial sugerido pelo Dieese

 

Especial Eleições 2018 — Como a Educação chegará às urnas? 

 

A candidatura do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ao governo do estado de São Paulo tem dois fatores singulares na corrida ao Palácio dos Bandeirantes: uma mulher e uma professora à frente da chapa.

Lisete Arelaro, ou professora Lisete, como na campanha, ressalta a experiência em escolas públicas e as atividades de pesquisadora e professora titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) para sustentar a tese de que vai melhorar a educação paulista. O vice-governador também é da área, professor Maurício Costa, do mesmo partido.

A professora propõe ampliação dos recursos para a área de 30% para 32% no estado, afirma que sonha com o piso salarial de professores considerado adequado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), estimado em R$ 3,6 mil (o valor atual é R$ 2.233,01 para PEB I com jornada de 40 horas), e quer impedir fechamento de salas de aulas, política iniciada em 2015 com a Reorganização Escolar.

Os recursos para alcançar os objetivos, segundo Lisete, virão de gestão melhorada na política de desonerações fiscais do Executivo. Ela garante que, se eleita, reduzirá benefícios para empresas privadas, considerando serviços voltados a bem-estar social, e utilizará a suposta verba conquistada para a Educação.

O programa de governo, disponível no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), diz que a marca da gestão será revolucionar o estado a partir da Educação. O texto menciona investimentos e oportunidades para a juventude, poder popular a partir da escola, valorização dos professores, entre outras ações.

Em entrevista exclusiva ao Portal CPP, Lisete diz que governantes deveriam fazer estágio em escolas, para respeitar professores, fala de participação da comunidade no ambiente escolar e enfatiza necessidade de trabalhar pela redução de desigualdades sociais e preconceito. Confira os principais trechos da entrevista concedida pessoalmente no diretório estadual do PSOL.

 

Portal CPP: Quais são os eixos principais do programa de governo da senhora para a educação? E, se ganhar a eleição, qual será a primeira medida voltada à área?

Lisete Arelaro: Educação é a nossa prioridade. Inicialmente retomaremos as salas que foram sistematicamente fechadas no governo do PSDB. Aliás, quero registrar que foi um privilégio a ocupação das escolas pelo Movimento Secundarista, em 2015. Os meninos conseguiram derrubar um secretário [Herman Voorwald deixou o cargo depois da suspensão da Reorganização Escolar]. Mas o fechamento de turmas ocorre até hoje. Estamos aqui, e certamente uma sala está sendo fechada. Nosso levantamento mostra que pelo menos 1.500 foram fechadas nos dois últimos anos, com o agravante de que salas de Educação de Jovens e Adultos [EJA] foram agrupadas, pelo menos nas escolas de periferia. Tudo contrariando a luta pela manutenção e motivação para que adultos estejam nas escolas.
Em um segundo momento, se houver condição, queremos atender à velha reivindicação de professores, que é a redução de alunos por sala de aula.
Outra ideia é tratar da desistência por parte dos alunos no Ensino Médio. Entendemos que isso ocorre porque o jovem precisa trabalhar para ajudar a família. Que tal uma bolsinha de estudos, para que ele não precise abrir mão da escola? Precisamos motivá-lo para os estudos. 

Como a senhora enxerga o professor na sociedade? Que política pública estabelecerá para valorizá-lo?  

É um profissional de extrema importância que precisa ser valorizado. Trabalho há muitos anos com política educacional e financiamento da Educação. Temos feito continhas desde os 10% do PIB para a área, conforme o PNE [Plano Nacional de Educação], até que aumento seria possível conceder aos professores. Quem já foi ou é professor sabe que hoje, no Brasil, o rendimento do profissional é 40% inferior ao de outros profissionais com titulação acadêmica idêntica. É uma vergonha. Está na hora de o professor ser mais bem tratado. Temos propostas para isso. 

Professores do estado de São Paulo, inclusive aposentados, ficaram quatro anos (2015-2018) sem reajuste salarial – o então governador Geraldo Alckmin alegou crise econômica. Que propostas a senhora tem para amenizar o problema e consequentemente melhorar o salário da categoria?  

Pelas minhas contas esse congelamento chega a seis anos, talvez oito, porque, se você considerar outros anos que o Alckmin não deu aumento, ou que deu parcelado, o período de desajuste salarial é maior. A situação é extravagante. São 24 anos de PSDB, dos quais 14 com o mesmo dirigente, e essa situação insustentável dos servidores da Educação.
O problema é que talvez o ex-governador não seja bom de conta. Em 2017 ele apresentou Lei Orçamentária que previa 25% dos recursos para a Educação, e não 30%, como prevê a Constituição Estadual. O PSOL teve que entrar com representação para lembrar que a CE precisa ser cumprida. Além disso, há oito anos o governo de São Paulo assina um TAC [Termo de Ajustamento de Conduta] junto ao Tribunal de Contas para pagar os aposentados com verbas não relativas à Educação.
O que quero dizer é que se a lei for cumprida há plenas condições de dar aumento para os professores. Nosso sonho, inclusive, é o piso do Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos], de R$ 3,6 mil no salário-base. Espero realizar minha vontade se conseguir ser governadora. 

Especialistas, em consonância ao Plano Nacional de Educação, sugerem mais investimentos, em outras palavras aumento de despesas, como condição para melhorias na área educacional. A senhora, então, concorda que sejam necessários mais recursos para a área. Mas como pretende equilibrar gestão fiscal e mais investimento em educação? 

Proponho que os recursos para a Educação sejam elevados de 30% para 32%. O estado de São Paulo, o mais rico do país, pode e deveria dar exemplo na área educacional. Um caminho seria rever desonerações. Para 2019, por exemplo, o governo estipulou R$ 23 bilhões em desonerações para empresas; neste ano, o valor está entre R$ 17 e R$ 19 bilhões; e, em 2017, ficou em R$ 15 bilhões. Como a curva pode ser crescente se o governo alega crise e congela salários?
Para começar não ampliaremos o valor. De 2018 para 2019 percebemos aumento de R$ 5 bilhões, o que é bastante dinheiro, praticamente o sustento da USP, que poderiam muito bem ser destinados para salário de professores. Não somos contra desoneração, certamente, mas só faz sentido desonerar quando a empresa beneficiada presta de fato um bom serviço público. Tudo bem desonerar para empresas de arroz, feijão, sal, alimentação básica. Agora, que fundamento tem desoneração para empresas de refrigerante, por exemplo?
Por que a Coca-Cola, uma multinacional, precisa de desoneração? A Sadia? Elas não promovem alimentação saudável nas escolas. Então, por quê? A Sadia, aliás, nem poderia ser desonerada porque ela deve ICMS, ou seja, a empresa tem se beneficiado duplamente. Cortaria bastante.
A legislação é clara quanto à necessidade de benefício social da empresa como condição para desoneração. Há empresas de médio porte que precisam para manter empregos, o que é justo. Mas tem que ser mais pão-duro. Mais escolas e melhorias para a educação podem vir daí.
Cabe mencionar também que as desonerações ocorrem na maioria das vezes por meio de decretos, não pela ordem da lei, com transparência e tramitação na Alesp [Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo]. A propósito, quando dizem que a Alesp é um puxadinho do Executivo, é verdade. Como professora e pesquisadora da USP reivindiquei aumento do percentual de ICMS destinado para as três universidades paulistas e o Centro Paula Souza. A maioria da base do governo sempre concordou. Quando chegava a hora H, porém, deputados atuavam de acordo com o interesse do governador. A Alesp não é independente. Precisamos mudar isso.  

Professores têm direito à aposentadoria especial, em que mulheres se aposentam com 25 anos de contribuição e homens, com 30. Em tempos em que se discute reforma previdenciária nas diferentes esferas de governo, qual a posição da senhora em relação ao benefício para professores?   

Estou conversando com a entidade que teve o Sólon Borges dos Reis à frente das lutas do magistério. Ele foi professor da minha mãe e, desde jovenzinho, consagrou-se defensor da aposentadoria especial. Não há dúvida da necessidade do benefício. Eu o defendo totalmente.
Tenho sempre uma proposta. Cada governador, prefeito e secretário de Educação deveria fazer estágio de dois dias na área educacional. Um dia em escola de Educação Infantil; outro, em escola de Educação Básica. Precisaríamos trancá-los para que não pulassem a janela, é verdade [risos], mas tenho certeza que respeitariam muito mais os professores depois da experiência.

O governo de São Paulo estabeleceu, em 2010, o Programa de Promoção por Mérito, que consiste na realização de prova para que o professor evolua na carreira, incluindo progressão salarial. Qual a opinião da senhora a respeito de política pautada em meritocracia? Manteria?   

Não manteria, pois é visão gerencial da questão. A escola tem que ter projeto. Nesse aspecto eu sou “Freiriana”. Não precisa ter mérito disso ou daquilo. A valorização do professor está dada. A promoção pode ocorrer por meio de muitas atividades, como artigos que escreve, conferências das quais participa, congressos, entre outros. Isso contribui inclusive para o processo pedagógico. Sem contar cursos de mestrado, especializações e atualizações profissionais sérias. Tem que avaliar e valorizar o que o professor faz no cotidiano.
 

O governo do estado pode realizar convênio com prefeituras a fim de transferir responsabilidade de determinados níveis escolares para municípios, a chamada municipalização do ensino. A senhora acha tal modelo viável? Adotaria mais ou menos em eventual governo?  

Concordo que haja ação cooperativa. Não tenho dúvida nenhuma de que qualquer atuação do estado deve ser parcialmente negociada com os municípios. Cada um é autônomo, mas isso não quer dizer que não haja conversa.
No governo Covas, de 1995 para cá, com a primeira reorganização, quando a secretária era a Rose Neubauer, tudo foi absolutamente impositivo. Pretendo convidar as escolas para que apresentem projetos para as cidades. Dialogar é mais eficiente. 

O que a senhora pretende fazer para melhorar a escola pública, que hoje apresenta problemas como superlotação de alunos, infraestrutura precária, baixo desempenho de estudantes etc.?  

Parte de minhas propostas responde à questão, uma vez que muitos dos problemas têm ligação com desvalorização do professor, destinação inadequada de recursos, entre outros.
Com relação aos estudantes, porém, gostaria de ressaltar gestão voltada ao diálogo. Os alunos gostam das escolas, mas muitas vezes não gostam das aulas. Temos que ouvi-los. O que ficou claro no movimento de ocupação das escolas é que os jovens querem participar do processo de ensino. 

Violência é comum no ambiente escolar, especialmente contra educadores. Reportagem recente da Folha de S. Paulo mostra que o índice de agressão a professores cresceu 189% neste ano. A senhora pensa em fazer algo para tratar do problema?  

Precisamos mudar as condições de funcionamento das escolas. As que abrem aos finais de semana têm menor índice de violência. Então, é válido trabalhar para isso. Trazer a comunidade para a escola, mostrar que o prédio faz parte do entorno. É possível construir relação entre escola e família, fazer com que pais e alunos tomem conta aos finais de semana.
Outro ponto é próprio formato da escola. Algumas têm tantas grades, muitas vezes até para acesso à secretaria, que não se justificam. Quem teme a comunidade precisa pensar duas vezes se deve continuar trabalhando com educação.
Do mesmo modo, vejo complicação por causa de programas como Proerd [Programa Educacional de Resistência às Drogas], que permite que guardas entrem armados nas escolas, o que não é nada razoável. Uma coisa é chamar a polícia para uma situação muito específica, outra é policial circular armado desnecessariamente no ambiente escolar. Arma denota violência. 

Que avaliação a senhora faz da ampliação de jornada escolar para tempo integral? 

Queremos ampliar. Já fizemos estudos geográficos no estado, e em muitos municípios temos perfeitas condições de adotar imediatamente. Algo que não entendo, porém, é por que o estado instala escola em tempo integral e acaba com o período noturno de aulas. São duas coisas completamente diferentes. Curso integral se encerra no mais tardar às 18h, ou seja, o período noturno fica disponível para uso. É uma judiação que escolas nessas condições fechem à noite.
É necessário considerar também a questão de infraestrutura. Quando se adapta uma escola para tempo integral, automaticamente se reduz a quantidade de alunos atendidos. É importante pensar em combinação de escolas próximas, às vezes até negociar com a prefeitura. Em cidades grandes como Campinas, Sorocaba, Santos etc. é perfeitamente possível o compartilhamento. 

O que a senhora acha de educação a distância? Pretende ampliar ou reduzir? Em que níveis de ensino?  

Sou absolutamente contra educação a distância na Educação Básica. Quero deixar isso bem claro. É um absurdo. O processo de formação da nossa juventude depende de convívio. Uma coisa é aluno saber usar a internet, professor fazer um chat; outra, é eliminar o contato. Ensino básico tem que ser presencial.
Batalharei contra esta esperteza, para não dizer má fé, de implementar EAD por meio de contratos com empresas privadas, como querem fazer com o Ensino Médio. É uma forma de deformar e privatizar o ensino. Educação a distância pressupõe tutores, e não sabemos se serão professores, quem estará por trás.
Defendo EAD para cursos de atualização, especialização. Portanto, só usaria no ensino superior. E com quem já passou por graduação presencial. 

Questões de gênero e sexualidade devem ser abordadas nas escolas?  

Claro. Tema e situação que temos que tratar no cotidiano das escolas. Na escola de Educação Infantil, por exemplo, se um menino pega uma boneca, e uma menina pega um carrinho, o professor deve falar para largar, dividindo o mundo em coisa de menina e coisa de menino? Ou deve deixa-los brincar? Começa aí a política de gênero na escola. Ela está presente em todos os momentos.
Pré-conceito e conceito se desenvolvem na escola. E a vantagem da escola é que ela pode ser independente em relação ao que as famílias pensam sobre A ou B. Tem família que não gosta de negro. Logo, é problema da escola atuar contra o racismo. Tem família que não aceita a comunidade LGBT, isto é, novamente caso de atuação da escola para redução do preconceito. Aliás, temos um candidato à presidência que preferiria um filho morto a um filho gay. Ele precisava voltar para a escola.

O que o movimento Escola sem Partido significa para a senhora? 

Como o movimento escolheu Paulo Freire, com quem tive o privilégio de trabalhar, como alvo… proponho conhecimento. Mantenho um curso de pós-graduação chamado “Atualidade do Pensamento de Paulo Freire”. Assim, tenho convidado apoiadores do projeto, especialmente membros do MBL [Movimento Brasil Livre], para acompanhar as aulas. Não tenho nada contra quem se diz avesso a Freire, obviamente, mas defendo que leiam a obra dele antes de qualquer posicionamento. Isso evitar todas as bobagens que dizem por aí.
Na verdade o Escola sem Partido tem partido, mas o deles, o dos que propuseram essa aberração.
 

BIOGRAFIA

Pedagoga e especialista em Administração Escolar pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, tem 73 anos. Mestre em Filosofia e História da Educação e doutora em Educação pela Faculdade de Educação da USP. É professora titular do Departamento de Educação da FEUSP e pesquisadora da área com ênfase em política educacional.
Exerceu funções públicas, como secretária de Educação e Cultura de Diadema, além de professora e diretora de escola na rede estadual de ensino de São Paulo. Declarou R$ 813 mil ao TSE.