O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), ao se despedir dos deputados antes do recesso, pediu-lhes que levassem aos seus Estados a lista “profícua” de projetos de lei aprovados pela Casa. Vê-se que estava orgulhoso dos resultados do Poder Legislativo. Entre os projetos aprovados pelo Congresso no primeiro semestre, está a Lei 13.006/14, que introduz modificações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96), mais precisamente no seu art. 26, que disciplina os currículos da educação infantil e do ensino fundamental e médio. Diante do cenário educativo nacional, tão cheio de desafios, podem ser necessárias emendas nos currículos. Mas qual não é a surpresa ao ver que o conteúdo da nova lei é tornar obrigatória a exibição de filme nacional em todas as salas de aula. A garotada terá garantido um filme nacional por mês!

 

A nova lei assim dispõe: “A exibição de filmes de produção nacional constituirá componente curricular complementar integrado à proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória por, no mínimo, duas horas mensais”. Na justificativa do projeto, que foi apresentado em 2008, o seu autor, senador Cristovam Buarque (PDT/DF), apresentou os seguintes argumentos: “O Brasil precisa criar o gosto pelo cinema e ampliar a indústria cinematográfica. (…) A única forma de dar liberdade à indústria cinematográfica é criar uma massa de cinéfilos que invadam nossos cinemas, dando uma economia de escala à manutenção da indústria cinematográfica. Isso só acontecerá quando conseguirmos criar uma geração com gosto pelo cinema, e o único caminho é a escola. A maneira, nos parece, é oferecer cinema às crianças na escola, desde os seus primeiros anos escolares. É com esse objetivo que este projeto de lei determina a inclusão da assistência a audiovisuais ao longo da Educação Básica”.

 

A escola brasileira já tem sérias dificuldades em cumprir a sua função básica – que é ensinar – e, agora terá ainda de gerar nos alunos o “gosto pelo cinema” e contribuir para a ampliação da indústria cinematográfica. É sobrecarregar ainda mais o sistema de ensino.

 

A nota do País no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, em inglês) é pífia. Trata-se de um levantamento comparativo promovido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) desde 2000, com o objetivo de medir e comparar o quanto e como os países participantes preparam seus jovens para uma vida adulta produtiva. Na edição de 2012, que contou coma participação de 85 mil alunos de 15 anos, num ranking de 65 países, o Brasil ficou na 55ª posição em leitura, no 58º lugar em matemática e na 59ª colocação em ciências. Por outro lado, um recente estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) revelou que a maior parte dos estudantes brasileiros que abandonam o ensino médio não acredita que a educação irá proporcionar melhor qualidade de vida. O BID identificou ainda que a maioria dos estudantes entre 13 e 15 anos que não frequentam a escola coloca a falta de interesse como a principal razão para o abandono.

 

É de reconhecer que o filme nacional não precisa desse tipo de muleta, que agora virou lei. Segundo o último Informe de Acompanhamento do Mercado, elaborado pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), o público de filmes nacionais teve um acréscimo no primeiro trimestre de 2014 de 15,9% em relação ao mesmo período de 2013, e os filmes estrangeiros tiveram queda de 0,6% ainda que permaneçam com a maior fatia do mercado (79,6% dos ingressos).

 

O principal equívoco da Lei 13.006/14 está no seu próprio conteúdo. O aluno brasileiro precisa de mais aula, e não de mais filme. A escola precisa de mais eficiência, e não de mais ideologia nacionalista. Não há socialização nem inserção no mundo – profissional ou cultural – com deficiências graves na educação básica. É preciso aprender a ler e aprender a fazer conta. E que depois a juventude possa assistir a muitos filmes, mas não por imposição legal.

 

O Congresso enfeita o bolo – se for enfeite, pois será preciso escolher bem os filmes brasileiros que exibirão às crianças – e descuida do principal. Mais aula e menos filme

Editorial Jornal O Estado de São Paulo, 20/7/2014.

Secom/CPP