O brasileiro Ricardo Castellini, um dos maiores especialistas da Europa em educação midiática e pesquisador da Dublin City University, na Irlanda, defende que crianças e adolescentes precisam ser preparados para lidar com informações e estímulos nocivos na internet, como discursos de ódio, cyberbullying, assédio sexual e apologia à violência. Mas, como esse é um processo longo de aprendizagem, afirma, é fundamental que tutores e escolas “filtrem” os conteúdos a que esse público se expõe.
“No caso de crianças e adolescentes, esses riscos são ainda mais preocupantes porque essas pessoas ainda estão formando sua capacidade crítica de entender o mundo a sua volta, e, portanto, nem sempre conseguem avaliar com segurança e confiança a qualidade dos conteúdos a que são expostas”, diz Castellini, coordenador de educação para a mídia, na Irlanda, do Observatório Europeu de Mídia Digital, principal iniciativa de educação midiática da União Europeia.
Para o especialista, há um consenso de que duas medidas são fundamentais para preparar o público juvenil para esse desafio. E uma delas se diz respeito à implementação de educação para a mídia (media literacy) nas escolas, fazendo assim com que os jovens aprendam desde cedo a lidar com o universo midiático, especialmente no que se refere às ferramentas digitais.
“O problema é que ambas as soluções levam tempo para serem implementadas e, enquanto isso, assistimos diariamente a histórias de pessoas que tiveram suas vidas prejudicadas por conta de conteúdos nocivos consumidos por meio da internet. No caso de crianças e adolescentes, estudos recentes sugerem que a exposição a esses conteúdos pode aumentar problemas relacionados à saúde mental, por exemplo, e também tem o potencial de influenciar comportamentos abusivos e agressivos, gerando mais violência na sociedade. Nesse sentido, enquanto esperamos por regulamentação e educação midiática nas escolas, é muito importante que pais e responsáveis tenham controle sobre os conteúdos a que crianças são expostas enquanto navegam pela internet. No caso de escolas que oferecem aos alunos acesso gratuito à internet, o controle sobre conteúdos também é importante para garantir que as ferramentas digitais sejam usadas com segurança para fins educacionais”, explica.
Governos implantam filtro de conteúdo no ensino híbrido
No contexto dos investimentos crescentes de escolas públicas no ensino híbrido — estados e municípios de todo o Brasil receberam R$ 3,5 bilhões do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para estender a jornada de estudos e recuperar o aprendizado perdido durante a pandemia —, as secretarias de educação têm o desafio de assegurar que estudantes que recebam conexão gratuita à Internet a partir de chips de telefonia móvel usem esse recurso apenas para fins educacionais. Além de dar efetividade aos estudos fora da sala de aula e de proteger crianças e adolescentes de conteúdos nocivos, a intenção é evitar casos de mal uso do recurso público, como os ocorridos em 2021 e 2022, quando chips distribuídos por governos eram facilmente desbloqueáveis — ou vinham desbloqueados — e foram usados para consumir serviços de streaming ou, pior, para crimes: há relatos de que chips educacionais tenham sido encontrados até em presídios.
Com a volta às aulas em fevereiro, municípios e estados começaram a implantar um sistema de gerenciamento remoto de conexões móveis à Internet, com funcionamento em nuvem e via uma conexão privada e, portanto, inviolável. Com ele, os gestores educacionais indicam quais websites podem ser acessados com o uso do chip, além de terem a possibilidade de trocar a operadora de dados móveis, no caso de instabilidade ou perda de sinal, sem a necessidade de troca física do chip. Isto é, o sistema faz com que o ensino híbrido seja seguro e efetivo.
Em março, cerca de 30 mil estudantes e professores das redes de ensino dos municípios de Lagoa Santa (MG), Nova Lima (MG) e Goiana (PE) começaram a usá-lo. Ainda no primeiro semestre do ano, outros municípios, além de estados, vão fornecer a tecnologia para aproximadamente um milhão de alunos e professores, pois já contrataram o serviço e estão na etapa de definição dos parâmetros a serem utilizados.
“Desenvolvemos essa tecnologia especialmente para a área educacional do setor público, que precisará de um sistema adequado para gerenciar o uso das conexões móveis à Internet fornecidas a estudantes e professores. Aumentar a adoção do ensino híbrido, que adiciona atividades remotas de reforço e nivelamento à jornada dos estudantes nas salas de aula, é uma das prioridades do Ministério da Educação para recuperar o déficit de aprendizagem gerado pela pandemia. Mas os objetivos só serão alcançados se houver mecanismos de controle que assegurem sua efetividade”, diz Rodrigo Almeida, sócio da Base Mobile, startup pernambucana especializada em conectividade móvel no setor educacional. “Ao adotar o filtro de conteúdo, os gestores educacionais indicam quais endereços da web alunos e professores podem acessar. Além disso, o sistema permite a disponibilização de conteúdos digitais especialmente criados para as atividades à distância e o acompanhamento individualizado da evolução dos estudantes”.
A solução tecnológica desenvolvida pela Base Mobile resolve as principais “dores” apontadas por pesquisas recentes sobre o uso da Internet na educação. De acordo com levantamento do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), realizado em julho de 2022, apenas 54% das escolas municipais possuem ambiente ou plataforma virtual de aprendizagem; 91% dos mais de 1.800 professores consultados, de todo o país, apontaram a falta de dispositivos e acesso à Internet nos domicílios dos alunos como uma das principais dificuldades enfrentadas durante a pandemia; e 72% disseram que a baixa velocidade da conexão à Internet “dificulta muito” seu trabalho.