Aline Paes de Barros

O acesso das crianças à escola no Brasil é atravessado por várias desigualdades. O Plano Nacional de Educação (PNE) determina 2024 como prazo para que todas as crianças de quatro a cinco anos estejam frequentando a escola, em um esforço para zerar o analfabetismo no país. Mas, para que isso aconteça, muito tem que ser transformado nos próximos anos.

Precisa ficar claro que, enquanto a taxa de alfabetização está diretamente ligada ao acesso à educação, esses dois fatores têm relação direta com o acesso que a criança tem às demais políticas públicas. A desigualdade começa muito antes da chegada à escola, assim como o processo educacional não está restrito ao ambiente escolar.  O êxito da aprendizagem passa pelo acesso a direitos como a moradia, alimentação e o acesso à cultura.

É aí que entra a necessidade da integração de políticas públicas: ninguém aprende com frio, sem ter uma habitação, sem poder acessar livros, a internet ou sem poder formar um repertório cultural que permita enxergar o mundo de outras maneiras. No período de alfabetização, é isso que vai ampliar a complexidade do pensamento das crianças e favorecer o aprendizado. Educar crianças em situação de vulnerabilidade em nosso país traz muitos desafios, porque, para essas crianças, esses direitos lhes vêm sendo negados desde o nascimento.

A pandemia só fez agravar uma situação que já era alarmante. Segundo o Censo Escolar 2021, entre 2019 e 2021, as matrículas da educação infantil caíram 7,3%, o que significa cerca de 660 mil crianças fora da escola. Durante esse período, as crianças em idade de alfabetização foram especialmente afetadas, já que o processo pressupõe ações educacionais presenciais. Mesmo diante da reinvenção do trabalho dos professores para o modelo remoto, o desenvolvimento desigual das crianças que tinham acesso a materiais de estudo, repertório cultural e familiares que leem para elas e estimulam sua alfabetização escancara os desafios que temos pela frente.

Para preencher essas lacunas, é preciso saber retomar a aprendizagem. Algumas formas são investir na capacitação dos professores, para que possam escutar as crianças e fazer o diagnóstico de suas necessidades não apenas no aspecto cognitivo, mas emocional. Não adianta correr contra o tempo, pois não é possível repor o período da vida da criança que se passou. Podemos, no entanto, olhar para quem essa criança é hoje e olhar para a frente, para o que pode-se fazer a partir dessa realidade atual.

Quando o assunto é reduzir as desigualdades no acesso à educação e as taxas de analfabetismo de crianças no país, a resposta está sempre na sala de aula: qualquer estratégia para atingir a meta de 2024 deve envolver professores e gestores da educação e ter como foco esse ambiente. É necessário, por exemplo, que as turmas tenham tamanho adequado para o processo de alfabetização, que soluções sejam usadas pensando nas crianças com deficiência ou necessidades específicas e que as bibliotecas tenham o seu acervo analisado e ampliado.

Garantir o acesso das crianças à escola é entendê-las como parte de nossa sociedade, como cidadãs. É uma questão indiscutível. Até seus oito anos, elas têm um potencial enorme de aprender, absorver e construir novos conhecimentos e possibilidades. Uma vez que não se aproveita essa janela de oportunidade, é muito mais difícil resgatar o que deveria ter sido desenvolvido na primeira infância, e isso gera uma cadeia; um ciclo de exclusão social e déficit de garantia de políticas públicas. Essa conta não fecha.

Aline é Mestre em Educação, diretora do Marista Escola Social Lar Feliz