Presidente da Comissão Especial de Precatórios da OAB alerta para texto desfavorável da PEC 74/2015

 

Precatório nada mais é do que o número de um requerente em fila de pagamento depois de ação favorável contra o Estado (União, estados, municípios). Antes da Constituição Federal de 1967, havia a preocupação de não permitir ao administrador público condenado pagar a quem ele bem entendesse, preterindo outros, o que consolidou uma lista de credores em ordem cronológica.

Com créditos de natureza alimentar, isto é, diferença de remuneração ou aposentadoria, precatórios fazem parte da vida de professores, o que torna indispensável o acompanhamento de medidas legais que interferem nos processos. É o caso da Proposta de Emenda à Constituição 74/2015, que acrescenta parágrafos ao artigo 100 da Constituição Federal, dispondo sobre o regime de pagamento de débitos públicos.

 

Se aprovado, o texto pode prolongar o pagamento das dívidas da Fazenda, segundo o presidente da Comissão Especial de Precatórios da OAB. No escritório da Innocenti Advogados Associados, localizado na região central da capital paulista, Marco Antonio Innocenti falou ao Portal CPP. 

Portal CPP: O Estado representa o conjunto de instituições que respondem pela organização de uma nação. Diante disso, não é contrassenso que ele seja identificado como devedor?

Marco Antonio Innocenti: Embora a finalidade do Estado se baseie em prover as necessidades dos cidadãos, não há contrassenso em razão de débitos. Quem se sente prejudicado por uma ação ou omissão tem o direito de requerer ao judiciário, que avaliará se a reclamação possui ou não fundamento perante o poder público. É assim no mundo civilizado inteiro, por mais que devesse ser exceção, porque presume-se que o Estado aja sempre conforme a lei. Então, na verdade, a contradição aparece quando o poder público, sendo condenado, não cumpre a decisão que profere, isso porque ele mesmo é o juiz do processo. O contrassenso está aí.

Falando em não cumprir a própria decisão, o senhor é contrário à PEC 74/2015, porque afirma que o texto sugere calote no pagamento de débitos públicos. Por quê?

Essa PEC se destina a reger basicamente a situação de entes públicos que tem débito em atraso e que foram objeto de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que modulou o julgamento da Ação Indireta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 4357. Em tal ação, o STF considerou inconstitucional o dispositivo do artigo 97 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) incluído pela Emenda Constitucional 62/2009, que determinava o regime especial de pagamentos em até 15 anos. Entretanto, para não causar problemas de orçamento nas entidades públicas que vinham se organizando para o prazo, houve concessão de mais cinco anos, contados a partir de janeiro de 2016. Ocorre que a ação do STF disciplinou que neste prazo, ou seja, até o final de dezembro de 2020, incidirão sanções que hoje estão previstas no parágrafo 10 do artigo 97 do ADCT, mas que propositadamente foram excluídas do texto que virou a PEC 74. Se aprovada como está, provavelmente o prazo será descumprido, acarretando calote, justamente porque a sanção pretendida pelo STF como imposição para os pagamentos se distancia na PEC.

 

O ideal, portanto, é que a PEC seja rejeitada?

Exatamente. Esperamos que deputados se sensibilizem diante do embaraço que o texto propõe. 

O STF interfere diretamente em precatórios. Há processos em julgamento que podem resultar em mudanças, tanto para credores quanto devedores?

Sim. O processo RE 579431, em andamento, tem grande reflexo nas contas, porque trata de incidência de juros de mora dos precatórios. Há questionamento se entre o período do cálculo de liquidação e a expedição do precatório é cabível juros de mora. Atualmente, não incidem juros. No entanto, não há base legal para isso, pois a Constituição não confere respaldo para que seja assim. É preciso que a prática esteja determina em legislação.
Outra discussão interessante é a Proposta de Súmula Vinculante (PSV) nº 111, que pede a revogação da Súmula Vinculante 17 após alteração na redação da EC 62/2009. A proposta do Conselho Federal da OAB é garantir os juros de precatórios no período em que o poder público tem para efetuar o pagamento de um ano para outro, de no mínimo 18 meses. Pela SV 17, se o estado assumir a dívida no prazo, não incidem juros. Em contrapartida, depois da EC 62, o parágrafo 12 do artigo 100 da CF admite juros simples, isto é, a súmula é baseada na redação anterior da Constituição, logo revogada a partir de 2009. A ideia é resolver esse paradoxo, visto que o juiz de determinado caso precisa de norte. Qual respaldo legal seguir?

 

O problema de caráter dúbio ocorre também em relação aos depósitos?

Há um processo que ingressamos bem recentemente no CNJ, que diz respeito à utilização de depósitos judiciais para pagamentos de precatórios. A Lei Complementar nº 115/2015 permite que estados, o Distrito Federal e municípios utilizem recursos de depósitos judiciais de natureza tributária, administrativa ou de ações em que são parte para diversas finalidades, desde que não tenha precatórios em atraso. O problema é que vários estados fazem pressão nos tribunais de justiça se valendo de leis estaduais que permitem a destinação desses recursos para outras finalidades apesar de débitos públicos em atraso, o que contraria a legislação federal. Então, diante do fato de que são os tribunais de justiça que determinam a gestão de precatórios, achamos incoerente os tribunais liberarem os depósitos sob risco de não cumprimento da lei federal. Em resumo, queremos que os depósitos sejam contabilizados em nome de estados e municípios, mas liberados pelo tribunal de justiça exclusivamente para pagamento de precatórios. Até porque se o dinheiro entrar no caixa do governo… há grande chances de não ir para a finalidade devida.

Esta ambiguidade jurídica dificulta os processos de precatórios?

Sem dúvida. Isso faz com que cada tribunal interprete a legislação de um jeito, o que gera alto número de recursos durante os julgamentos. Importante mencionar, contudo, que está em curso uma revisão da Resolução nº 115/2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). É uma oportunidade de reunir num único documento todas as decisões proferidas pelo STF em questão de precatórios, uma espécie de manual. O ponto principal é estabelecer um regramento único a ser seguido por todos os tribunais do País, para que sejam avaliados com princípio de igualdade tanto credores do estado de São Paulo, como do Rio Grande do Sul, por exemplo.
Uma gestão padronizada de precatórios já expedidos no âmbito de tribunais evita que atualizações de créditos tenham interpretações distintas, reduzindo a chance de processos favorecidos ou preteridos por leituras multifacetadas.

 

O senhor faz parte do grupo de trabalho que colheu sugestões para alteração da Resolução 115. O trabalho foi encerrado?

O trabalho foi feito em um órgão do CNJ que se chama Fonaprec (Comitê Nacional do Fórum Nacional de Precatórios). Foram recebidas sugestões de gestores de precatórios de todos os tribunais, inclusive de TRFs (Tribunal Regional Federal) e TRTs (Tribunal Regional do Trabalho), são 97 tribunais em todo o País. Também houve sugestões de credores, dos devedores, das procuradorias e da OAB.  O resultado foi entregue ministro Ricardo Lewandowski e deve entrar em plenário em breve para ser aprovado.