Uma pesquisa do Departamento de Economia, Administração e Sociologia, da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), o campus da USP em Piracicaba (SP), indicou que o trabalho doméstico interfere no rendimento escolar de crianças e adolescentes. O estudo se baseou nos resultados da Prova Brasil, teste que analisa o desenvolvimento de alunos do 5º e 9º anos do ensino fundamental de escolas públicas.
De acordo com a pesquisa, os alunos do 5º ano, que conciliam trabalho e estudo, são os mais prejudicados. Além de analisar o desempenho dos alunos, a proposta da pesquisa coordenada pela professora Ana Lúcia Kassouf é verificar como o trabalho infantil, dentro do domicílio ou no mercado, afeta a vida acadêmica dessas crianças
O estudo teve participação dos pesquisadores da área de Economia Aplicada da Esalq, Marcos Garcias, Ida Bojicic Ono e Camila Rossi, que integraram ao projeto Partnership for Economic Policy (PEP).
“Controlamos as características das crianças, dos pais, dos professores e dos diretores, além da infraestrutura da escola e observamos que o trabalho infantil é maléfico e provoca reduções no desempenho escolar das crianças”, disse a professora Ana Lúcia Kassouf.
Os filhos ajudarem nas tarefas domésticas é comum nas famílias. Na casa da diarista Felícia Máximo Gimenes, não é diferente. O filho dela, Francisco Junior, de 11 anos, divide o tempo entre os estudo, as brincadeiras e algumas responsabilidades. “Ele chega da escola e almoça. Depois ajuda com a louça, não custa nada”, disse.
“Se deixar, ele fica com o tablet o tempo inteiro. Então, entramos em um acordo. Para jogar, terá que cumprir um dever”, contou a mãe. O garoto tem outra opinião. “Eu gostaria de chegar em casa, deitar e jogar videogame”, disse.
De acordo com a professora Ana Lúcia Kassouf, essa “ajudinha” aos pais não compromete o rendimento escolar. O problema, segundo a pesquisadora, é quando as tarefas domésticas tomam muito tempo dos filhos.
“Você trabalhar por meia hora, colaborar com a arrumação da cama ou com a retirada do lixo em nada interfere. Nem é considerado como trabalho infantil. O problema é quando os filhos executam atividades domésticas dentro do domicílio por mais de duas horas”, ressaltou.
Pior ainda é quando a criança ou o adolescente precisa trabalhar fora de casa para ajudar no orçamento da família.
Os estudantes do 5º ano do ensino fundamental, que conciliam trabalho e estudo, de acordo com a professora, apresentaram menor rendimento escolar. As meninas que trabalham apenas no mercado, sofreram uma queda de 10% nos testes de português e aquelas, que além do trabalho fora de casa, realizam serviços domésticos, também apresentaram uma redução de desempenho significativa.
Já os meninos, que exercem funções tanto fora, quanto dentro de casa, tiveram redução de 8,3% em Português, disciplina em que os alunos demonstraram maior dificuldade.
A professora ressaltou que, na análise, após monitoramento de diversos fatores relacionados às crianças, família e escola, notou-se que as crianças que trabalham, seja no domicílio ou no mercado, apresentam menor rendimento escolar. “Elas estão mais cansadas e sobrecarregadas”, afirmou a pesquisadora.
Os alunos do 9º ano também sofreram uma queda no desempenho. Aqueles que trabalham em casa apresentaram 2,4% de redução de desempenho nos testes de Matemática. Entre as meninas do 9º ano, 23% delas trabalham cerca de três horas por dia em atividades domésticas, em comparação com 9% dos meninos.
Enquanto 21,5% dos meninos trabalham no mercado, menos de 10% das meninas exercem funções fora de casa.”Apesar das diferenças entre os meninos e as meninas, ambos são prejudicados no desempenho acadêmico por conta de atividades fora da escola”, disse a professora.
“Nossas conclusões indicam que o trabalho doméstico, que muitas vezes não é contabilizado nas estatísticas sociais e não é considerado perigoso, deve ser incluído nas políticas de governo destinadas a combater o trabalho infantil”, ressaltou a pesquisadora.
Carga horária escolar
A professora apontou o aumento da carga horária nas escolas como medida para reduzir a quantidade de tempo que as crianças passam em execução de atividades fora do ambiente escolar.
“Medidas de combate ao trabalho infantil deverão ser propostas por aqueles inseridos na política, seja por meio de programas sociais, aplicação das inspeções de direito do trabalho ou pela conscientização da importância da educação e sobre o risco da entrada precoce no mercado de trabalho”, disse Ana Lúcia Kassouf.
Fonte: G1